
Pecado do Dia: Avareza
Filme independente que se preze, a palavra contenção não é ponto fraco, mas ponto de honra. A

Pecado do Dia: Inveja
Tudo se passa num condomínio fechado (a forma como este espaço é filmado convoca piscadelas de olhos à Janela Indiscreta de Hitchcock, referência máxima para quem abraça o "thriller" com tamanha convicção) e o ponto de partida é, mais uma vez, o do realismo desencantado. Subitamente, o inesperado acontece, deixando confuso o responsável por este espaço habitado por pessoas diferentes, numa espécie de Torre de Babel contemporânea. O onírico atravessa-se no real e dá-nos a conhecer um universo paralelo que só entra quem acredita, quem se deixa dominar pela imaginação, quem possui uma veia criativa. A narfa, estranha criatura personificada pela aparente beleza ingénua de Bryce Dallas Howard, é o elo de ligação entre mundos e que vai mudar a vida de quem precisa de uma orientação superior (a conotação religiosa também não é inocente). A partir daqui tudo pode acontecer e... acontece mesmo. Pouco recomendável para pessoas pouco dadas a fantasias, A Senhora da Água é uma imensa ilusão, complexa e infantil, como um conto de embalar. Tem criaturas fantásticas, emoção, heróis e vilões e um final surpreendente. Paul Giamatti tem mais um grande desempenho e o próprio Shyamalan transfigura-se mais do que o costume no grande ecrã. Como todas as fábulas místicas, a obra é excessiva, mas neste registo movediço tudo é possível. É só acreditar. * * *
Pecado do Dia: Soberba
Candidato à Palma d'Ouro de Cannes em 1971, Malpertuis apresenta-nos um universo onírico, que se reflecte na própria montagem expressiva, para nos contar a epopeia de Jan (Mathieu Carrière) no contacto com a sua estranha família, dividida com a morte do seu patriarca e o compromisso de aceitar as condições para ficar com uma avultada herança. Aqui respira-se uma atmosfera propositadamente densa, de contrastes, com momentos de profundo ruído visual para depois apostar em planos mais intimistas. Nada é ao acaso, apesar de alguns cortes abruptos no seguimento do filme. Mas, em Malpertuis, tudo se entranha pelo teste imagético às noções de divino/humano e que culmina num dos finais mais bizarros da história do cinema recente. Iconoclasta e perturbante, esta co-produção alemã e francesa conta ainda com Welles, esse "monstro" que se quer imortal, aqui numa alusão profunda à sua fase mais decadente. * * * *
Pecado do Dia: Ira
Quem vê Uma Verdade Inconveniente não sai da sala muito bem disposto. O planeta está a reagir à intervenção humana e ao descuido quanto à emissão de gases poluentes. Al Gore - que ganha uma segunda vida depois da derrota eleitoral com George W. Bush - explica tudo e expõe as suas ideias recorrendo à tecnologia audiovisual e o resultado final é o de um documentário com uma componente performativa muito forte, capaz de, mesmo assim, deixar no ar a ambiguidade sobre o percurso político de Al Gore e os interlúdios emocionais que são usados em Uma Verdade Inconveniente para aliviar a retórica sobre a problemática da poluição ambiental e as suas repercussões no futuro. O êxito de mais esta experiência audiovisual (rendeu uns surpreendentes 23 milhões de dólares) é de salutar porque apesar da ira de Al Gore contra a o desinteresse da população em geral e da administração norte-americana em particular para a questão do ambiente ser sincera, existe ali um fundamento de esquerda que gera alguma inquietação pela forma de aparente falsa submissão como se vai integrando na acção... Mas quando é o ambiente que está em jogo, o discurso ganha o seu peso independentemente dos pressupostos ideológicos. Al Gore vence esta partida pelo tom escorreito e David Guggenheim pela filmagem televisiva a querer entrar no cinema. Os géneros audiovisuais misturam-se e evitam que o discurso do documentário se torne "nublado" . * * *
Pecado do Dia: Soberba
Em Os Edukadores, a crítica à sociedade da "abundância" resulta num discurso politizado, cheio de pequenas nuances revolucionárias, mas... vazio. Esta metáfora política, que surge numa co-produção germano-austríaca estilizada, apresenta-nos Jule, Peter e Jan, três jovens que se envolvem romanticamente, e que partilham o gosto por passarem mensagens de ordem contra o progresso através de pequenos actos de rebeldia. É precisamente o triângulo amoroso que se forma, e que vai ganhando espessura com o desenrolar da história, que corrompe as motivações do filme e tornam este candidato à Palma D'Ouro do ano passado do Festival de Cannes, um projecto que quer chegar longe mas que... não chega a lugar nennhum. E é por isso que termina como começa, sem as personagens terem crescido, apesar de andarem em deambulações ocas, corrompendo o exterior porque... sim. O DVD lançado agora pela Atalanta possui alguns extras interessantes, mas não chegam para dar mais vitalidade a um relato também não muito estimulante sobre a juventude culta mas sem referência das sociedades ocidentais. * *