7 de outubro de 2006

NA SALA ESCURA: Um documentário sem nuvens

É um género que tem dado cartas e a projecção que o DocLisboa (a começar dentro de duas semanas...) tem todos os anos na programação cultural da capital prova que não é só um feito internacional. O documentário reinventa-se, atravessa as fronteiras do seu género e dos moldes como é apresentado na televisão (não esquecer que, hoje em dia, existem canais temáticos que passam ininterruptamente este produto audiovisual) e chega com cada vez mais ambição ao cinema. Exemplos mais mediáticos? A Marcha dos Pinguins, Fahrenheit 9/11 ou Os Friedman. Pelos exemplos referidos, facilmente se percebe que também as suas estruturas narrativas fogem ao convencional e levam a questão da impossibilidade de ter objectividade mesmo num produto de princípios jornalísticos muito ao extremo. Caso-limite desta constatação? O relato autobiográfico Tarnation, de Johnathan Caouette, que se assume como documentário por partir de pistas reais - fotografias, filmagens antigas, etc. - mas aproveita uma intencionalidade de conflito de identidade do realizador-protagonista para abrir espaço à confissão negra. Longe deste registo, a "aula de ecologia" em forma de filme de Al Gore, Uma Verdade Incoveniente, que ainda se encontra em exibição nas salas nacionais, é uma interessante proposta sobre como apresentar um tema complexo como o aquecimento global sem cair na monotonia da exposição da tese. O resultado final surpreende porque a obra oferece ao espectador uma forma performativa de aprender, num exercício de oratória com recurso à tecnologia surpreendente. O tema em questão é só por si alvo de preocupação, mas o modo como este filme de Davis Guggenheim se encontra construído promete um futuro bem mais risonho para o documentário nas salas de cinema do que para o nosso planeta.

Pecado do Dia: Ira

Quem vê Uma Verdade Inconveniente não sai da sala muito bem disposto. O planeta está a reagir
à intervenção humana e ao descuido quanto à emissão de gases poluentes. Al Gore - que ganha uma segunda vida depois da derrota eleitoral com George W. Bush - explica tudo e expõe as suas ideias recorrendo à tecnologia audiovisual e o resultado final é o de um documentário com uma componente performativa muito forte, capaz de, mesmo assim, deixar no ar a ambiguidade sobre o percurso político de Al Gore e os interlúdios emocionais que são usados em Uma Verdade Inconveniente para aliviar a retórica sobre a problemática da poluição ambiental e as suas repercussões no futuro. O êxito de mais esta experiência audiovisual (rendeu uns surpreendentes 23 milhões de dólares) é de salutar porque apesar da ira de Al Gore contra a o desinteresse da população em geral e da administração norte-americana em particular para a questão do ambiente ser sincera, existe ali um fundamento de esquerda que gera alguma inquietação pela forma de aparente falsa submissão como se vai integrando na acção... Mas quando é o ambiente que está em jogo, o discurso ganha o seu peso independentemente dos pressupostos ideológicos. Al Gore vence esta partida pelo tom escorreito e David Guggenheim pela filmagem televisiva a querer entrar no cinema. Os géneros audiovisuais misturam-se e evitam que o discurso do documentário se torne "nublado" . * * *

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