23 de outubro de 2006

NA SALA ESCURA: A imaginação ao poder (das imagens)!

Custou mas foi! Estava difícil arranjar um tempinho para ir ver ao cinema a última experiência visual de M. Night Shyamalan. As críticas eram mistas, o "feedback" pouco receptivo, as bilheteiras desencorajadoras, mas o património artístico do realizador contemporâneo que melhor conseguiu reinventar o género "thriller" (sem com isso corromper a tradição do "film noir" e as intrigas hitchcockianas) foram mais fortes... Com A Senhora da Água, Shyamalan levou ainda mais longe as suas ambições enquanto contador de histórias negras e é pelo desafio meio infantil (o pecado que Spielberg demorou a desprender-se) deste objecto estranho que consegue voltar a marcar pontos. Para quem estava à espera do habitual "twist", das premissas realistas, dos jogos claustrofóbicos omnipresentes em O Sexto Sentido ou Sinais deve ter ficado desiludido, porque é na componente alegórica (já relativamente expressa no soberbo A Vila) que tudo se volta a jogar, num desafio que só entra quem tiver apetência pelas histórias fantástica de embalar. Shyamalan teve de romper com a Disney para levar este filme até ao fim - aquele que mais o motivou desde o início de uma intocável carreira - e conseguiu com a Warner Brothers um novo fôlego, apesar de tudo fiel ao seu espírito de "mago do cinema moderno". A Senhora da Água é um notável desafio, desequilibrado a espaços, mas capaz de recuperar uma aura onírica no grande ecrã que, desde que Peter Jackson lançou a sua visão da trilogia de Tolkien, parecia estar circunscrita a sucedâneos digitalmente estimulantes, mas narrativamente pobres. Lúdica, esta obra nunca poderia ser consensual, mas é salutar o efeito-surpresa que ainda consegue lançar neste início de século. Para quando um novo jogo imagético? Aguarda-se nervosamente...

Pecado do Dia: Inveja

Tudo se passa num condomínio fechado (a forma como este espaço é filmado convoca piscadelas de olhos à Janela Indiscreta de Hitchcock, referência máxima para quem abraça o "thriller" com tamanha convicção) e o ponto de partida é, mais uma vez, o do realismo desencantado. Subitamente, o inesperado acontece, deixando confuso o responsável por este espaço habitado por pessoas diferentes, numa espécie de Torre de Babel contemporânea. O onírico atravessa-se no real e dá-nos a conhecer um universo paralelo que só entra quem acredita, quem se deixa dominar pela imaginação, quem possui uma veia criativa. A narfa, estranha criatura personificada pela aparente beleza ingénua de Bryce Dallas Howard, é o elo de ligação entre mundos e que vai mudar a vida de quem precisa de uma orientação superior (a conotação religiosa também não é inocente). A partir daqui tudo pode acontecer e... acontece mesmo. Pouco recomendável para pessoas pouco dadas a fantasias, A Senhora da Água é uma imensa ilusão, complexa e infantil, como um conto de embalar. Tem criaturas fantásticas, emoção, heróis e vilões e um final surpreendente. Paul Giamatti tem mais um grande desempenho e o próprio Shyamalan transfigura-se mais do que o costume no grande ecrã. Como todas as fábulas místicas, a obra é excessiva, mas neste registo movediço tudo é possível. É só acreditar. * * *

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