29 de setembro de 2007
NA SALA ESCURA: Antes de amadurecer
LUXÚRIA. «Quando sinto que alguém me vai deixar, costumo terminar primeiro, antes de ter de ouvir tudo. Mais um menos um. Esta é mais outra história de amor desperdiçada.» MARION (Julie Delpy)
É francesa e orgulha-se disso. Tem um ar impetuoso, de quem tanto venera a intelectualidade e cultiva o ego, como de mulher desleixada, capaz de se envolver com um desconhecido e manter aquele ar de criança ingénua. É esta a imagem que Julie Delpy deixou impregnada na mente dos espectadores que assistiram ao projecto duplo «Antes do Amanhecer/Antes do Anoitecer», um brilhante díptico romântico, que actualizou o conceito das histórias de amor para o espírito juvenil da geração inter rail.
Na sua recente realização, a actriz - já não muito longe dos 40 - quer que a continuemos a ver assim, preferindo manter-se cristalizada no estilo da comédia com nuances de romance neurótico e constantemente interrogador.
Esta é a maior virtude e, simultaneamente, a maior fragilidade de 2 DIAS EM PARIS: por um lado, a obra volta a funcionar no género da comédia romântica rodada quase sem rupturas temporais. Por outro, mostra que Julie Delpy não amadureceu assim tanto e ousou pouco no género, colando-se em demasia aos estilos de Woody Allen e, principalmente, do seu mentor Richard Linklater.
A principal lufada de ar fresco deste filme é mesmo Adam Goldberg, jovem promessa há muito no cinema comercial (marcou presença em «O Resgate do Soldado Ryan» ou «Uma Mente Brilhante», por exemplo), que consegue pela primeira vez fazer com que se repare nele. A sua personagem, o norte-americano às turras com a namorada francesa (que gosta de revisitar o passado afectivo...), funciona e é até o retrato mais inventivo deste bonito e singelo romance.
A história é tão pitoresca quanto realista: o casal Delpy e Goldberg regressa à terra dela por dois dias - a Paris do título! - onde a ideia é rever a família e prepararem-se para o regresso aos Estados Unidos, onde ele é arquitecto e ela dá cartas na fotografia.
Porém, como qualquer casal, as interrogações surgem de pequenos nadas e é na descrição da rotina conjugal que Julie Delpy incide o foco da sua câmara. Há um esforço da realizadora para ser sensível, intimista, como se nos contasse a sua mais intensa aventura amorosa ao ouvido.
Em jeito de alegoria sentimental, o filme consegue passar o conforto da intimidade sem expor demasiado o casal, mas rapidamente perde o embalo, quando quer que acreditemos que o casal fraqueja à medida que ela vai revendo antigas paixões.
Ainda assim, e apesar dos percalços dramáticos, Delpy supera a prova, cria um enternecedor encontro em Paris, satiriza os americanos (bom timing na crítica ao fenómeno literário de «O Código Da Vinci») e deixa-nos enredados nos caprichos do seu coração. Sim, porque o filme parece um álbum pessoal e profundamente autobiográfico.
Além disso, mais do que realizadora, Delpy é actriz, responsável pela montagem, produtora, argumentista e até compôs a banda sonora. Por isso, este 2 DIAS EM PARIS é uma viagem ao seu mundo. Aquele que já conhecemos de «Antes do Amanhecer/Antes do Anoitecer». Mas no qual não nos importamos de voltar a entrar.
2 DIAS EM PARIS
De Julie Delpy (2007)
* * *
Para quem tem dúvidas de que exista romance em pleno século XXI... vai continuar com as mesmas interrrogações. Até porque a francesa Julie Delpy apostou forte na cumplicidade a dois, mas simultaneamente colocou-se a si e a Adam Goldberg a viverem uma relação realista, com tudo o que ela comporta: momentos felizes, momentos dramáticos... e momentos monótonos, soturnos, desinteressantes, irónicos, espontâneos, apaixonados. Se, por um lado, Delpy cria um sensível retrato amoroso e tira partido dos ambientes prometedores de Paris, por outro, cola-se em demasia ao estilo que Richard Linklater criou para «Antes do Amanhecer/Antes do Anoitecer». Haverá defeito nisso? Não, até porque o filme funciona na sua aparente simplicidade. Mas estávamos à espera de ver Julie Delpy mais amadurecida e a resolver de forma ambiciosa a segunda parte da sua história delicodoce. Ainda assim, uma boa surpresa.
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