30 de setembro de 2007

OS SETE PECADOS DE... Setembro 2007







SOBERBA.
Assim que cheguei de férias, ter ido correr para a Fnac e comprado a colecção «Ingmar Bergman», que a Castello Lopes disponibilizou. Do pé para a mão (e com menos 60 euros no bolso), fiquei com 11 obras do mestre. Estão lá todas as mais importantes, excepto O SÉTIMO SELO e FANNY AND ALEXANDER. Porém, só me vou preocupar com isso lá para 2o10, período em que devo acabar de ver os trabalhos mais sonantes do realizador sueco.


GULA. Ter visto de uma assentada, no avião da TAP e durante uma longa viagem de oito horas, três filmes tão díspares quanto são SHREK 3, HOMEM-ARANHA 3 e... a boa surpresa da jornada tripla... GOLPE QUASE PERFEITO. Tinha-me escapado no cinema as aventuras de Richard Gere a tentar ludibriar tudo e todos com a sua biografia de Howard Hughes. O filme é a obra mais sólida e menos enjoativa de Lasse Hällstrom dos últimos anos e está construído em jeito de farsa megalómana. Não diria é que Richard Gere tem mesmo perfil de burlão e constrói nessa pele o seu mais interessante desempenho. Alfred Molina e Marcia Gary Harden são excelentes secundários.

PREGUIÇA. Ter deixado escapar nas salas algumas obras obrigatórias. Exemplos? O SABOR DA MELANCIA, ULTIMATO, MYSTERIOUS SKIN, HAIRSPRAY ou MUITO BEM, OBRIGADO. Sei que em alguns destes exemplos ainda vou a tempo de corrigir a falha. Mas será que tenho tempo para o fazer?

IRA. O fim da revista portuguesa PREMIERE é mesmo o caso da revolta cinéfila do mês. No meio de tanta ausência editorial no que concerne à cultura - este ano, também perdemos o suplemento 6ª, do «DN», e veremos se o aparecimento da «Time Out» (gostei do primeiro número, apesar do cartaz exaustivo...) compensa a mágoa de perder uma revista que já era um encontro mensal com sete anos.

LUXÚRIA. Os jogos amorosos de Julie Delpy são o caso sentimental do meu mês, até porque no grande ecrã não houve tempo para ver mais... A francesa é empenhada na realização de 2 DIAS EM PARIS e cria mesmo um doce olhar sobre a vida a dois e as suspeitas de traição. Adam Goldberg é o contraponto que Delpy precisa para brilhar num romance em que cada minuto volta a contar. Ou não fosse a francesa uma acérrima defensora do estilo dramático de Richard Linklater.

INVEJA. Perceber o quão pouco se sabe de cinema quando se lê o livro «As Lições do Cinema», de João Mário Grilo. Pois bem, aceitei o repto, comprei-o e estou demoradamente a recordar as teorias que o cineasta já me havia explicado na universidade (na saudosa cadeira de Filmologia). Está lá tudo: a imagem-movimento de Gilles Deleuze, a escola russa e alemã, Eisenstein, Epstein, Murnau, Ford e a noção de que a teoria vale o que vale. O cinema é emoção. Mas encará-lo como uma arte, da qual se pode extrair todas as ilações, é recompensador. Só não se pode é perder aquela dose de espontaneidade, porque corta a magia do cinema. João Mário Grilo descreve-a ao pormenor, mas também a corrompe ao desmistificá-la nas suas multiplas posições e ao autopsiá-la com o engenho de um agente do C.S.I.. O seu génio é inegável, mas ler «As Lições do Cinema» retira um pouco aquele ímpeto de querer ver um filme sem pensar em «zoom», «fora de campo», «plano» ou «raccord». Às vezes já não consigo fazer isso.

AVAREZA. Ter decidido condensar um mês inteirinho de cinema numa nova secção. Como se o SIN CINEMA já não tivesse espaços em demasia... e como se pudesse suprimir 30 dias em sete parágrafos. O que conta é a intenção.

O MAIOR PECADO DE... Julie Delpy








PREGUIÇA
.
«A acção é preguiçosa e previsível, e os lobisomens digitais parecem terrivelmente pirosos.» CHRISTOPHER Null in Filmcritic.com

Se há algo que define a carreira de Julie Delpy é a sua inconstância e o gosto por abraçar projectos marginais. Numa carreira catapultada na superior trilogia «Três Cores», dedicada a França pela mão de Krzysztof Kieslowski, foi com o díptico romântico «Antes do Amanhecer/Antes do Anoitecer» que se tornou ídolo adolescente.

Pelo meio, entrou em alguns telefilmes que hoje desdenharia certamente, juntou-se a Linklater novamente para uma curta cena no brilhante mosaico animado «Waking Life», passou brevemente pela série «E.R - Serviço de Urgência» e... fez UM LOBISOMEM AMERICANO EM PARIS.

Que dizer deste conto de terror com estrutura de filme juvenil sem neurónios, mas que quer parecer uma louca jornada europeia? Só se pode dizer mal
porque este filme não se quer levar a sério, usa e abusa dos efeitos digitais para dar vida aos lobisomens da história e não tem um pingo de sensibilidade.

O que faz Julie Delpy por aqui? Deve estar a pagar as prestações da casa, é a única explicação. A sua personagem é sumida e caricatural, a francesinha ingénua que sabe de mais da estranha epidemia de lobisomens que assolam as entranhas de Paris.

À frente do elenco está ainda o tonto Tom Everett Scott, uma daquelas jovens promessas do cinema comercial que, após este e mais alguns desaires, ficou pelo caminho...

UM LOBISOMEM AMERICANO EM PARIS foi uma tentativa de Delpy mostrar que também podia ser heroína de pseudofilmes de terror, decalcados para o público adolescente que consome tanto destas obras quanto baldes de picocas. Às tantas, o filme é tão desconexo e agitado, que roça o kitsch em algumas sequências e consome o olhar. Mas, rapidamente, o realizador Anthony Waller atira mais uma sequência mal filmada para nos dizer «Hey, não sei mesmo o que estou a fazer. Estou a gastar dinheiro, a divertir-me com banhos de sangue e... é só!»

OK, lição assimilada. Por nós, porque Delpy às vezes lá dá um passo em falso numa carreira que já experimentou de tudo (vi recentemente o filme sobrenatural «The Legend of Lucy Keyes» e... tive arrepios, não de medo mas de embaraço...). Nós mesmo assim, continuamos a gostar do seu ar de menina impetuosa. E percebemos que toda a gente tem de pagar as suas contas.

CRÍTICAS DE FUGIR:
- CINEMA EM CENA: O terror cede lugar ao pastelão.
- CHICAGO SUN-TIMES: Eis um caso de pessoas das quais não queremos saber, a fazer coisas que não entendem, num filme sem regras. Um caso de «triple play».
- THE NEW YORK TIMES: Uma comédia juvenil de terror mal interpretada e demasiado frenética na sua montagem para poder construir algum «suspense».
- USA TODAY: A animação por computador dos monstros gera todos os efeitos, menos o de meter medo.

29 de setembro de 2007

NA SALA ESCURA: Antes de amadurecer







LUXÚRIA.
«Quando sinto que alguém me vai deixar, costumo terminar primeiro, antes de ter de ouvir tudo. Mais um menos um. Esta é mais outra história de amor desperdiçada.»
MARION (Julie Delpy)

É francesa e orgulha-se disso. Tem um ar impetuoso, de quem tanto venera a intelectualidade e cultiva o ego, como de mulher desleixada, capaz de se envolver com um desconhecido e manter aquele ar de criança ingénua. É esta a imagem que Julie Delpy deixou impregnada na mente dos espectadores que assistiram ao projecto duplo «Antes do Amanhecer/Antes do Anoitecer», um brilhante díptico romântico, que actualizou o conceito das histórias de amor para o espírito juvenil da geração inter rail.

Na sua recente realização, a actriz - já não muito longe dos 40 - quer que a continuemos a ver assim, preferindo manter-se cristalizada no estilo da comédia com nuances de romance neurótico e constantemente interrogador.

Esta é a maior virtude e, simultaneamente, a maior fragilidade de 2 DIAS EM PARIS: por um lado, a obra volta a funcionar no género da comédia romântica rodada quase sem rupturas temporais. Por outro, mostra que Julie Delpy não amadureceu assim tanto e ousou pouco no género
, colando-se em demasia aos estilos de Woody Allen e, principalmente, do seu mentor Richard Linklater.

A principal lufada de ar fresco deste filme é mesmo Adam Goldberg, jovem promessa há muito no cinema comercial (marcou presença em «O Resgate do Soldado Ryan» ou «Uma Mente Brilhante», por exemplo), que consegue pela primeira vez fazer com que se repare nele. A sua personagem, o norte-americano às turras com a namorada francesa (que gosta de revisitar o passado afectivo...), funciona e é até o retrato mais inventivo deste bonito e singelo romance.

A história é tão pitoresca quanto realista: o casal Delpy e Goldberg regressa à terra dela por dois dias - a Paris do título! - onde a ideia é rever a família e prepararem-se para o regresso aos Estados Unidos, onde ele é arquitecto e ela dá cartas na fotografia.

Porém, como qualquer casal, as interrogações surgem de pequenos nadas e é na descrição da rotina conjugal que Julie Delpy incide o foco da sua câmara. Há um esforço da realizadora para ser sensível, intimista, como se nos contasse a sua mais intensa aventura amorosa ao ouvido.

Em jeito de alegoria sentimental, o filme consegue passar o conforto da intimidade sem expor demasiado o casal, mas rapidamente perde o embalo, quando quer que acreditemos que o casal fraqueja à medida que ela vai revendo antigas paixões.

Ainda assim, e apesar dos percalços dramáticos, Delpy supera a prova, cria um enternecedor encontro em Paris, satiriza os americanos (bom timing na crítica ao fenómeno literário de «O Código Da Vinci») e deixa-nos enredados nos caprichos do seu coração. Sim, porque o filme parece um álbum pessoal e profundamente autobiográfico.

Além disso, mais do que realizadora, Delpy é actriz, responsável pela montagem, produtora, argumentista e até compôs a banda sonora. Por isso, este 2 DIAS EM PARIS é uma viagem ao seu mundo. Aquele que já conhecemos de «Antes do Amanhecer/Antes do Anoitecer». Mas no qual não nos importamos de voltar a entrar.


2 DIAS EM PARIS
De Julie Delpy (2007)
* * *
Para quem tem dúvidas de que exista romance em pleno século XXI... vai continuar com as mesmas interrrogações. Até porque a francesa Julie Delpy apostou forte na cumplicidade a dois, mas simultaneamente colocou-se a si e a Adam Goldberg a viverem uma relação realista, com tudo o que ela comporta: momentos felizes, momentos dramáticos... e momentos monótonos, soturnos, desinteressantes, irónicos, espontâneos, apaixonados. Se, por um lado, Delpy cria um sensível retrato amoroso e tira partido dos ambientes prometedores de Paris, por outro, cola-se em demasia ao estilo que Richard Linklater criou para «Antes do Amanhecer/Antes do Anoitecer». Haverá defeito nisso? Não, até porque o filme funciona na sua aparente simplicidade. Mas estávamos à espera de ver Julie Delpy mais amadurecida e a resolver de forma ambiciosa a segunda parte da sua história delicodoce. Ainda assim, uma boa surpresa.

26 de setembro de 2007

Charlot no Brasil é... Carlitos!








PREGUIÇA.
«Os actores buscam a rejeição. Quando não a encontram, rejeitam-se a si próprios.» CHARLES CHAPLIN


Era uma das minhas grandes falhas na colecção de DVD, que já serpenteiam a sala dado o volume de filmes - prestes a superar as duas centenas: ainda não tinha uma longa-metragem de Charles Chaplin e vim do Brasil com três debaixo do braço.

O milagre? Encontrei a colecção dedicada ao actor por 12 reais cada filme - algo perto de três euros, mais coisa menos coisa. Num ápice trouxe comigo «A Quimera do Ouro», «Luzes da Cidade» e «Tempos Modernos».

Só não vim mais carregado porque temia pelo peso da mala no regresso ou que suspeitassem que estava a fazer pirataria, apesar de serem edições originais (digamos, aqui para nós, que a ASAE não ia gostar nadinha do Brasil e da Bolívia dada a perícia das cópias por lá, com vários filmes compilados num só disco, vendidos na rua ao preço da uva mijona, que é como quem diz por 50 cêntimos ou coisa que o valha).

As edições dos filmes de Charles Chaplin têm capas bonitas, os filmes são apresentados com qualidade e legendas cuidadas. Tudo no sítio, praticamente. Contudo, a mania dos brasileiros em traduzirem tudo e mais alguma coisa tem os seus inconvenientes e... Charlot ficou convertido em... Carlitos!??!

Já há muito que não esboçava um sorriso tão trocista quando vi na capa dos referidos DVD a expressão «Colecção Carlitos». Passaram-se, pensei eu. Inicialmente foi o choque, depois a resignação. Pelo menos, ninguém aqui nas redondezas tem as obras-primas de Charles Chaplin como eu.

24 de setembro de 2007

O fim prematuro da PREMIERE







PREGUIÇA
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«Houve uma drástica redução de custos que foi ultrapassada pela redacção com muita criatividade e uma espartana engenharia financeira, ao nível das colaborações externas. No entanto, não houve da parte da Hachette um verdadeiro investimento numa estratégia de marketing que sustentasse o crescimento do título.» JOSÉ VIEIRA MENDES, director de Premiere

Temos de admitir: somos um público inculto, preguiçoso, sabichão mas sem perder muito tempo a ler o que quer que seja. Valha-nos os gratuitos, que não custam nada e até têm textos pequeninos, e o «Telejornal». Para quê perder a atenção com textos longos e rotineiros, com notícias e opiniões que amanhã já são lixo! Às vezes, penso que nós somos assim: preguiçosos, desinteressados.

Ou melhor, sei que não somos todos assim, mas é assim que as grandes empresas - incluindo, pior que tudo, as de media - nos vêem. E, portanto, os jornais, as revistas e tudo o que meta letrinhas pequeninas com excepção da «Bíblia» e de «A Bola» não dá lucro. Logo, aperta-se até explodir.

Foi o que sucedeu com a única (e já histórica...) revista de cinema que conseguiu sobreviver 8 anos, cujo último número sai em Outubro. A PREMIERE merece todos os aplausos por mostrar que a cultura ainda pode ter longevidade
em matéria de publicações escritas mas que, por outro lado, tem sempre um final prometido.

E é assim que, enquanto leitor fiel, vejo perder-se um esforçado grupo de pessoas que tentava ser arrojado na construção da revista. É verdade que tinha muitos artigos comprados de fora, falta de arrojo e coerência no grafismo e até uma apresentação dos filmes do mês pouco trabalhada. Mas, com os meios ínfimos de que dispunha, tenho de dar os meus parabéns: a PREMIERE cumpriu a sua missão.

De forma heróica, mostrou ao longo de quase cem meses que é possível escrever sobre cinema. Criou o seu nicho (vendia cerca de 18 mil exemplares), chamou publicidade para as suas páginas e ainda nos trouxe Criswell, esse cronista que acho que, no fundo, todos sabemos quem é. Criswell: que vai ser feito de ti? É desta que a porta do teu caixão se vai fechar. Que fazer? A culpa não é tua... A culpa é da cultura que não vende, do cinema que não atrai multidões. Da preguiça de todos nós.

Vamos ver quanto tempo o mercado fica sem uma revista de cinema... Uma garantia: a próxima publicação a aparecer tem uma pesada herança e uma existência frágil. Assim que sair para as bancas vai ter a certeza de que o seu final será prematuro. Como foi com a PREMIERE.

OS MEUS POSTERS: Central do Brasil
























GULA.
CENTRAL DO BRASIL é emoção em estado puro. Para encerrar este breve olhar do novo cinema brasileiro, nada como recordar o belo filme que deu uma nomeação para o Óscar a Fernanda Montenegro. Ela é uma mulher de méritos duvidosos, mas que vai sofrer uma mutação quando se afeiçoa a um jovem.

22 de setembro de 2007

O QUE AÍ VEM... Cidade dos Homens







IRA.
«A expressão 'cosmética da fome' sugere que fazemos uma estética publicitária, mas isso é vazio de sentido.»
PAULO MORELLI, Realizador

Quando estive há pouco no Brasil, o filme tinha acabado de chegar às salas. A polémica instalou-se sob críticas de que a adaptação para cinema da série televisiva era uma forma de recuperar o imaginário estilístico e narrativo de «Cidade de Deus».

Na verdade, A CIDADE DOS HOMENS procura apresentar um desenvolvimento emocional das personagens Acerola (Darlan Cunha) e Laranjinha (Douglas Silva), previamente apresentada na bem sucedida série homónima que a Rede Globo exibiu com relativo sucesso.

Agora há que enfrentar a idade adulta: o primeiro tenta encontrar o pai desconhecido, enquanto o segundo tenta melhorar a vida para sustentar o filho pequeno. Para completar e dificultar a história que insiste no realismo despedaçado dos subúrbios brasileiros, há ainda nesta história de Paulo Morelli uma guerra entre duas facções do tráfico de droga que coloca a dupla de amigos em campos opostos.

À parte dos méritos dramáticos do filme, CIDADE DOS HOMENS relançou uma discussão no Brasil: aceitar o impacto de «Cidade de Deus» no contexto contemporâneo da dramaturgia brasileira.

É inegável que a obra de Fernando Meirelles (a rodar nos Estados Unidos a adaptação de «Ensaio Sobre a Cegueira» de José Saramago) mudou alguma coisa não só no cinema brasileiro como mundial ao expor com habilidosa paleta visual o universo decadente e contraditório das favelas. Mas o filme não é bem aceite por ter minado a visão exterior do cinema brasileiro. Daí a expressão «cosmética da fome», insistentemente referida para descrever a obra de Meirelles e à qual o próprio Morelli não consegue escapar.

De costas voltadas perante o fenómeno «favela pop», os críticos brasileiros não cedem nos seus egos perante a exposição (exagerada, certamente) crua de um Brasil diferente dos postais turísticos.

Pois bem: para lá dessa recusa, «Cidade de Deus» é um belíssimo mosaico social, marcado por um novelo dramático rico, que expõe com clareza vidas estilhaçadas. Além disso, é uma produção esteticamente poderosa que, de facto, marcou o novo cinema urbano, graças à sua montagem agressiva e à sua fotografia de cores quentes - atente-se, por exemplo, no sul-africano «Tsotsi» para se perceber a sua influência.

Houve quem o copiasse descaradamente, mas não parece ser o caso deste novo CIDADE DOS HOMENS. Afinal, podem haver abordagens distintas do mesmo universo...

20 de setembro de 2007

QUIZ: O que têm em comum estes filmes?







Com o fim das férias regressa também o QUIZ, que não tem obtido respostas nos últimos dois desafios. Há queixas de que as soluções são muito rebuscadas e as fotografias pouco exemplificativas dos filmes em questão. Por isso, aqui vai uma mais acessível, só para não desmoralizar...



Solução do QUIZ anterior: Os três filmes remetem para estações do ano no título.
1) LEÃO NO INVERNO de Anthony Harvey
2) UMA ANDORINHA FEZ A PRIMAVERA de Christian Carion
3) SONATA DE OUTONO de Ingmar Bergman

19 de setembro de 2007

NA SALA ESCURA: A ratazana é um doce








GULA.
«Toda a gente consegue cozinhar. O que não quer dizer que toda a gente o deva fazer.» REMY

Antes de ir de férias, houve tempo para ir ver o último prodígio visual da Pixar. Na verdade, o acto de ir ver um filme da Pixar é sempre uma experiência interessante. Vou com o espírito de uma criança de seis anos à espera de ser surpreendido e o ímpeto destruidor do crítico gastronómico caricatural deste filme, Anton Ego, à espera de um passo em falso para poder dizer: «OK, a Pixar finalmente deu um tiro ao lado. É falível. Tantos milhões para nada!!»

Pois bem, ainda não é desta que o vou poder fazer. Ou melhor: tenho mesmo de lhe tirar o chapéu porque RATATUI é, talvez, o melhor filme da produtora desde À PROCURA DE NEMO.

Em jeito de fábula urbana, esta animação deliciosa convence pela fluidez dramática e por partir da genial ideia de que uma ratazana pode cozinhar e interagir com os humanos de modo criativo. É tão simples que até é estranho como nunca ninguém se lembrou disto antes... Pois o segredo desta história é mesmo esse... Voltar a enternecer crianças e adultos sem ceder aos chavões de sempre.

Este olhar sobre o universo gastronómico também lá tem a moral, o princípio de que ninguém deve desistir das suas ambições pessoais, mas não é minimamente enjoativo. Com arrojo q.b., personagens nada insossas, as reviravoltas em jeito de especiaria e um ligeiro twist para sobremesa tornam este filme de Brad Bird em mais um clássico animado do qual a Pixar se pode orgulhar. E que venha o próximo... antes que a barriga fique a dar horas.


RATATUI
De Brad Bird (2007)
* * * * *

Uma ratazana sensível sonha em ser chefe de cozinha no maior e mais prestigiado restaurante de Paris. E consegue-o graças a uma engenhosa artimanha que só o universo criativo da Pixar (tem de se dizer... nem a Dreamworks lhe chega aos calcanhares!) consegue levar adiante sem demonstrar ligeireza. Inventivo e deliciosamente animado, o filme é já um dos títulos mais fortes de 2007 e pode contar com o Óscar de Melhor Filme de Animação para o próximo ano. O resto são favas contadas!

16 de setembro de 2007

De volta de uma jornada maior do que tudo







SOBERBA.
«A última vez que entrei na água assim, tive de ficar toda a noite a retirar sanguessugas do meu escroto.» Warren (Joathan Hyde) em ANACONDA (1997)
Quando se regressa de uma viagem de quase duas semanas, daquelas em que mudamos de continente, há muita coisa que nos passa pela cabeça. Uma das mais recentes (precoce, talvez ainda por efeito de um jet lag hiperactivo) foi a vontade de mudar o SIN CINEMA.

Uma mudança que morreu à nascença porque desde logo me apercebi que este é o espaço onde já ganhei património (ínfimo, é certo), leitores, cumplicidades e até a criação de secções mais ou menos estáveis. No fundo, pequei e... por isso peço desculpa por mais este suposto final de um espaço cinéfilo do qual já não me consigo descolar.

A culpa foi da viagem que fiz... ao Pantanal! Onde houve tempo para tudo, como pensar na vida, ter saudades da vida urbana, pescar piranhas com jacarés a menos de três metros de distância e sentir-me uma formiga ínfima perante o músculo que a natureza conseguiu e consegue construir.

Foi uma jornada de vida. Intensa. Hiperbólica. Genuína. E é quando estamos mais desprovidos daquilo que nos ocupa normalmente o tempo, que pensamos como a vida segue sempre o seu (com)passo e que nós não somos mesmo o centro do mundo. O Pantanal é um paraíso que recomendo, onde a aventura espreita por detrás de cada arbusto. Vi de tudo um pouco. Menos a onça pintada que, segundo o guia, mesmo assim rondou o nosso acampamento situado no sugestivo lugar de Buraco das Piranhas.

Quanto à célebre anaconda, pude comprovar (controladamente) o seu tamanho e o respeito que convoca assim que se vê a deslizar no solo. Digna de filme. E não é que no dia do meu regresso a TVI decide exibir o medíocre filme de (suposta) aventura ANACONDA? Podia tomar como uma coincidência de mau gosto, mas preferi interpretar esta revisitação cinéfila dispensável como a forma perfeita de terminar a viagem que me mudou mais um bocadinho com um sorriso nos lábios. É bom estar de volta...