5 de janeiro de 2008

Viver com a morte às costas








AVAREZA.
«Não me importo de te dizer, Pierrepoint... Acho que não existe ninguém melhor neste país do que tu.» GOVERNADOR PATON-WALSH (Robin Soans)

Os dramas passados nos corredores da morte, independentemente das convicções do espectador, há muito que possibilitam experiências intensas no cinema: entre os exemplos mais recentes, basta recordar o cântico sofrido e extremo de Björk, em «Dancer in the Dark», ou a visão moralista que Frank Darabont fez de duas obras de Stephen King, «Os Condenados de Shawshank» e «À Espera de Um Milagre».

A novidade que a produção britânica PIERREPOINT - O ÚLTIMO CARRASCO comporta, é que, ao contrário da maioria das obras cujo foco vai para os condenados à pena capital (e consequentes repercussões melodramáticas), se centra na figura do executante, o mais famoso da Grã-Bretanha, antes do país ter abolido este tipo de pena.

Em jeito de biopic minimalista e emocional, esta produção de luxo, que se estreou directamente no formato DVD, possui o seu pulsar na duplicidade da profissão que o protagonista, Albert Pierrepoint (soberbo Timothy Spall), escolheu e na qual decidiu ser o mais eficaz de todos no seu ramo.

Por um lado, é exímio no cumprimento das penas por enforcamento, num período em que se vive o temor da Segunda Guerra Mundial, por outro é um homem pacífico, que deixa o ofício de lado assim que entra em casa e recebe conforto nos braços da esposa (Juliet Stevenson).

Segundo os manuais de História, Pierrepoint foi o mais prolífico carrasco do século XX – com cerca de 600 enforcamentos no currículo entre as décadas de 30 e 50 – tendo batido recordes de execuções em escassos dez segundos.

Odiado por uns e adorado por outros, era, acima de tudo, uma pessoa que relativizava as repercussões morais da sua acção e um funcionário público exemplar.

No momento em que a Grã-Bretanha optou pela abolição da pena capital, foi inclusivamente uma das vozes mais defensoras da medida. E é nesta divergência de fronteiras valorativas que o realizador Adrian Shergold (veterano na produção televisiva inglesa) constrói uma sólida proposta de percurso biográfico de uma personagem que se encontra nos limites da racionalidade jurídica.

Mais do que traçar juízos de valor, PIERREPOINT - O ÚLTIMO CARRASCO é um filme bem conseguido pelo modo como demonstra a ambiguidade da personagem que lhe dá nome. Ao filmar as execuções segundo ângulos diferentes (e em função do rumo da acção), Shergold consegue ilustrar a rotina de Pierrepoint com sensibilidade – o carinho com que o protagonista trata os cadáveres após a execução é disso exemplo, por seguir à risca o princípio desta figura que defendia que, depois da morte, os criminosos voltavam a ser inocentes.

Nesta obra histórica, cujo único extra em DVD é o trailer, o destaque vai ainda para as interpretações do par protagonista, com especial referência para Timothy Spall, um rosto carregado para uma vida forçada a ter a morte “às costas”.

Ao seguir todas as regras do biopic, esta produção ajuda ainda a mostrar por que razão os casos verídicos no cinema são sempre um terreno fértil em matéria de prémios: a vida real, por vezes, supera as ambições dramáticas da ficção.

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