25 de julho de 2008

Hitchcock no cinema vs. Hitchcock na TV







INVEJA.
«Gosto de tocar nas pessoas como num piano.» ALFRED HITCHCOCK

Um dos méritos do DVD é ter conseguido «ressuscitar» do limbo audiovisual séries históricas da televisão, que agora passam a estar para sempre disponíveis na videoteca de cada um. Em pequeno, lembro-me de assistir aos casos que Alfred Hitchcock introduzia na memorável série «Alfred Hitchcock Apresenta», ainda sem conhecer de perto a sua filmografia.

É certo que o realizador britânico tem o rótulo de «mestre do suspense» colado à sua imagem, mas para mim - em miúdo - Hitchcock era rei e senhor de narrativas armadilhadas, à espera de twists inevitáveis e quase sempre surpreendentes em capítulos independentes de pouco mais de 20 minutos
.

Hoje, e depois de ter descoberto quase todos os seus filmes, o espectro mudou: Hitchcock é, antes de mais, o cérebro por detrás de clássicos inimitáveis como «Psico», «Os Pássaros», «Janela Indiscreta» ou «Vertigo - A Mulher Que Viveu Duas Vezes».

Sim, um técnico de excepção, verdadeiro arquitecto de emoções, capaz de elaborar intrincados planos em nome de uma boa ideia cinematográfica. Só depois o volto a descobrir nos primeiros 39 episódios da famigerada série, agora impecavelmente restaurada pelas potencialidades do digital.

E o que constato? Que «Alfred Hitchcock Apresenta» foi um importante tubo de ensaio dramático e estilístico para que o cineasta pudesse experimentar premissas estimulantes que uma longa-metragem teria dificuldade em suportar. Sim, a série tem grandiosos pontos altos, histórias ardilosas que vivem à custa de pontos de partida que rapidamente se esgotam.

Há o brilhante episódio em que Joseph Cotten sofre um acidente de automóvel e todos julgam que está morto. Recorrendo a um poderoso jogo de grandes planos, Hitchcock mostra-nos que o protagonista ainda está lúcido mas não consegue colocar o corpo a trabalhar. Quando é identificado como clinicamente morto, o homem só consegue mostrar que está vivo por dentro ao derramar uma lágrima.

Nesta belíssima metáfora, Hitchcock mostra ao que vem e desfaz a ideia de que na televisão não é só o ecrã que é mais pequeno, a qualidade técnica do produto também. Não é verdade, embora a série comece a perder fôlego e os capítulos deixem rapidamente de ser dirigidos pelo mestre (afinal, havia uma carreira cinematográfica a gerir).

No entanto, há «grandes pequenos contos» (sempre a preto e branco) neste primeiro grupo de 39 capítulos - o número escolhido nesta compilação em DVD não é coincidência... Temos o da mulher que força o marido a matar o homem que ela diz que a atacou (quando afinal se vem a saber que ela está demente), o do ventríloquo que vive uma relação de amor-ódio com a sua criação, o do homem que começa a ser perseguido por um sósia, o do pianista que quer saber quem matou o seu pai (quando foi ele mesmo), ou o do empregado desesperado que mata o patrão, embora este apareça vivo e são no dia seguinte.

Extremamente dinâmicos e sem perderem tempo, os breves contos foram, principalmente, uma oportunidade para Hitchcock se mostrar e gerar um culto em torno da sua imagem, ainda hoje difícil de atingir pelos seus colegas.

Sim, tanto as introduções como as argumentações finais do realizador são discursos únicos de arrojo e o reflexo de quem está muito «à vontade» com o espectador.

A proposta dá azo a momentos memoráveis, como aquele em que Hitchcock diz ter descoberto um remédio muito eficaz para a insónia, referindo-se a uma bala e a um revólver.

Embora tenha sido no cinema que Hitchcock expôs totalmente a sua versatilidade, na televisão foi mais longe nas propostas dramáticas e, acima de tudo, revelou que a ironia pode ser uma arma tão letal quanto uma faca ou uma pistola.

1 comentário:

Anónimo disse...

que belo artigo sobre o mestre Hitchcock. Ele merece todas as glórias de um bom cineasta. Resta-me agora procurar este DVD aqui no Brasil.