9 de março de 2007

NA SALA ESCURA: No outro lado do espelho

IRA. Há reminiscências do universo de «Alice no País das Maravilhas»... uma paleta de criaturas grotescas que lembram as figuras fantásticas que Peter Jackson materializou a partir do imaginário de J.R. Tolkien na trilogia de O SENHOR DOS ANÉIS. Depois, o cuidado plástico é tipicamente próximo do vanguardismo comercial europeu, casos de Jean-Pierre Jeunet em DELICATESSEN... Quando vemos a última bizarria alegórica de Guillermo Del Toro vêm-nos à cabeça um sem número de referências animadas e cinéfilas, mas esta surpresa dos últimos Óscares (venceu três categorias técnicas e ainda ultrapassou Almodóvar nas nomeações de Espanha para o Melhor Filme Estrangeiro) tem autonomia imagética e traz uma hipótese de contos de fadas para adultos, com uma maturidade às vezes inesperada. O próprio realizador avisou, por alturas da estreia mundial desta co-produção entre a Espanha e o México - país-revelação na última edição dos prémios da Academia de Hollywood... - que esta fábula passada na Guerra Franquista «era para maiores de 18». E, de facto, pouco condescente com mentes menos impressionáveis. Na verdade, se O LABIRINTO DO FAUNO é um sólido «vai-e-vem» entre uma realidade em tempo de guerra e um escape infantil para uma realidade mágica paralela, por outro mostra bem de perto os extremismos de guerra (por vezes, excessivamente maniqueístas, como é o caso da caricatura surpreendetemente coesa do vilão Sergi Lopéz), com abusadas cenas de tortura e de hemoglobina. Não se leva assim tão a peito porque se nota que a visão de Del Toro é assim mesmo: bizarramente gótica, de cores e sentimentos intensos, ao jeito das melhores histórias de um terror apaziguante pelas emoções de inocência da protagonista como do espectador. Sublinhe-se que o mundo paralelo deste filme tem as doses perfeitas de inventividade e mistério, sendo o ponto menos forte do filme a realidade bélica em torno da doce Ofélia... Mesmo assim, o real é só um pretexto para entrarmos pelas portas desenhadas a giz de um universo que não é mais do que uma metáfora existencialista e colorida para o nosso mundo real, bem mais cinzento e violento... O poder da imaginação é a chave deste filme, numa ambivalência sensorial à semelhança do que encontrámos em CRÓNICAS DE NÁRNIA, A NOIVA CADÁVER ou até mesmo em A VIDA É BELA. Porém, em O LABIRINTO DO FAUNO, a sensação é a de se estar a pisar um terreno movediço de ideias hiperbólicas pela primeira vez. A vida no outro lado do espelho é a que apetece viver...



O LABIRINTO DO FAUNO * * *
Este conto de fadas mais adulto do que infantil ganhou forma muito por culpa da onda de fascínio pelo fantástico que o cinema comercial tem vindo a produzir sem questionar. Porém, Guillermo Del Toro sabe bem para onde conduzir a doce Ofélia e onde nos levar a nós espectadores: por um jogo de enigmas que traduzem os dilemas de um país dilacerado por uma guerra injusta. As pontes de ligação entre real e ficção estão bem desenhadas, os contornos expressionistas da divagação da protagonista também... O que falha é só a caricaturização do conflito bélico, o excesso de violência e um momento ou outro mais previsível. No final, o que sobressai desta história são, contudo, belíssimas sequências plásticas e a descrição de um mundo onde apetece espreitar.

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