13 de março de 2007

NA SALA ESCURA: Sonata do homem bom

INVEJA. Quem já teve a oportunidade de ver o filme a que dedico esta breve recensão, rapidamente o identificou com o título em cima. Quem ainda não o fez, sublinhe-se que está a perder um belíssimo monumento ao cinema poético, feito de convicções e de um olhar para as contradições de uma Alemanha dilacerada pela guerra, mas onde se vislumbra uma réstia de esperança. Profundamente emocional, AS VIDAS DOS OUTROS é um modelo consciencioso do novo cinema alemão (curiosamente, um dos temas da programação do próximo IndieLisboa, já em Abril...), que parte das cicatrizes da história recente do país para lhes extrair mensagens sociológicas que valem por partirem de dentro, num sinal de maturidade digno de registo. E de causar inveja... por exemplo, ao trôpego cinema português que ainda hoje não foi capaz de traduzir por imagens realmente sensíveis capítulos da sua mais recente História, como o Estado Novo ou a guerra colonial. Por isso mesmo, esta obra, justamente galardoada com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro (e destronando o crepúsculo metafórico de O LABIRINTO DO FAUNO, de Guillermo Del Toro), é digna de aplauso: por olhar por entre as ranhuras de uma Alemanha partida em duas, obcecada pela vigilância e pouco condescendente com ímpetos revolucionários. Contudo, incapaz de lidar com as contingências sociológicas mais íntimas, até porque a repressão ainda não consegue chegar ao lugar fundo da consciência (ou, pelo menos, não deve). Florian Henckel von Donnersmarck dá uma aula de poesia visual de tonalidades clássicas e, embora a frieza estética que caracteriza o filme e até um certo pensamento alemão, não obnubila a envolvência, que se pressente por completo. E quem aceita este desafio, sai no final com a alma redobrada e com a certeza de que ainda existem homens bons. Nem que seja numa sala escura.

AS VIDAS DOS OUTROS * * * *
De premissas densas, que nos são dadas a ver com a ligeireza gélida de uma Alemanha ainda espartilhada pelo socialismo reaccionário, o filme desde logo nos mostra que é a repressão a todo o custo que conta, seja para controlar vidas como tendências artísticas. O
capitão Gerd Wiesler (soberbo Ulrich Mühe) é um oficial altamente credenciado da Stasi cuja missão é espiar um celebrado escritor e a sua esposa actriz. Aquilo que começa como um serviço exemplar, rapidamente se revela um teste aos valores humanos. De uma luminosidade cinza, a obra encanta pela visão sensível por detrás de uma filmagem clássica e pouco condescendente. Os diálogos são certeiros mas o mérito deste filme é, como sempre no bom cinema, aquilo que as imagens convocam, ou seja, as sugestões mentais criadas a partir do olhar.

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