27 de janeiro de 2008
A falta de tempo gera tempo de mudança
AVAREZA. «Só faço isto porque me estou a divertir. No dia em que deixar de me divertir, afasto-me.» HEATH LEDGER
O tempo é um bem escasso, que nos cria a ilusão de o podermos domesticar mas que é inexorável. É um lugar comum dizer que os bons momentos passam num ápice, enquanto que aquilo que nos complica a vida parece que demora tormentosas horas mesmo que o ponteiro dos minutos de um relógio apenas se desloque uma ou duas vezes...
Nas últimas semanas, o tempo tem parecido curto para o lazer, que, no meu caso, significa dedicação ao cinema, a arte que se inscreve no ócio, mas que funciona como um verdadeiro «ginásio» para o olhar, tal é a forma como o exercita. Neste período em que me dediquei ao trabalho, à família e a mim mesmo, o mundo do cinema parece frenético.
São as nomeações para os Óscares que ainda não consegui avaliar com clareza, a greve dos argumentistas de Hollywood que comprometeram a cerimónia dos Globos de Ouro, as estreias em catadupa nas salas nacionais, que me fazem sentir perdido e desactualizado.
Já perdi as últimas obras de Cronenberg, Zemeckis, a reposição de Douglas Sirk, há estreias em DVD de assinalar a cada dia que passa... a televisão digital a querer marcar novos pontos.
Pelo meio li o livro «Cinema Now», da Taschen, que ainda não consegui partilhar, fui ver «Jogos de Poder» de Mike Nichols, encontrei novas pechinchas em lojas de segunda mão e vi no meu novo «grande ecrã caseiro» obras que queria ter dado outra atenção: seja «O Silêncio», de Bergman, «Sob Suspeita», de Stephen Hopkins, ou «Tempos Modernos» (mais uma vez...) de Chaplin. O tempo fustiga, some-se há medida que a idade se torna mais confortável, e passa.
O SIN CINEMA tinha uma estrutura que se estava a revelar difícil de suportar para quem quer apenas, de vez em quando, criar «dois dedos de cinema», perdão, de conversa, para quem insiste em visitar este modesto espaço.
Por isso, surgiu uma hipótese de novo ajuste. Ligeiro, mas preferencialmente mais instintivo e reflectido. A nota que me fizeram por uma «gaffe» motivada pelo discurso em piloto automático a propósito de «A Vida dos Outros» fez-me pensar que escrever sobre cinema não se pode fazer sempre de fugida, em dois minutos de pausa de outra tarefa rotineira.
O cinema precisa de tempo. E é por tentar dominá-lo de um outro modo, que o SIN CINEMA vai procurar ser mais reflectido e aproximar-se da sua noção de blog. Enquanto espaço pessoal, de reflexão ou simplesmente de colocar as palavras ao sabor do que se sente. No espaço destes dias de ausência, foi também tempo de perda. A perda que mais incomoda, que é a de quem parecia estar ainda verde no seu território.
Os desaparecimentos de Brad Renfro e Heath Ledger demonstram a perversidade do cinema: as imagens expostas no ecrã são sempre simulacros, encenações nas quais se escondem pessoas que, no fundo, têm problemas da vida real.
O cinema pode ter ficado um pouco mais pobre. Mas, acima de tudo, estes dois precoces desaparecimentos comprovam que os actores não terminam nas personagens às quais imediatamente lhes associamos os rostos e o carisma. Ou talvez o choque destas mortes resida principalmente nessa eterna ilusão.
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1 comentário:
Será que a falta de tempo para nós, para o lazer, significa uma certa falta de "ter vida"?
Desde que vás escrevendo de vez em quando já é bom, para ti, que extravasas as tuas experiências cinematográficas, e para os outros, com quem partilhas tudo isso.
Abraço
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