26 de março de 2008

NA SALA ESCURA: As entranhas da América







IRA.
«Ainda não percebi: tu queres ser como eu ou tu queres ser eu?» JESSE JAMES (Brad Pitt)

Costuma dizer-se que dos fracos não reza a História. No entanto, pode ajudar a criar estrondosos filmes, como é o caso de duas das mais elogiadas obras deste início de ano, que têm em comum o facto de trazerem consigo personagens à deriva e dois perdedores em particular: no caso de O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COBARDE ROBERT FORD é a personagem de Casey Affleck que assume esse estatuto, ao dar vida ao ambíguo homem obcecado pela figura de um anti-herói norte-americano, procurado por toda a América, quando no fundo ninguém o queria encontrar - em nome do mito...

O que é certo é que Robert Ford quer fazer-se homem à sua imagem, ou melhor à sua sombra, negligenciando a autonomia. A obsessão termina em morte, mas rapidamente o «cobarde» vai perceber que é incapaz de aniquilar um pedaço de história e rebeldia norte-americana, num soberbo exercício que Anthony Dominik criou nesta espécie de western crepuscular. Assim, o que Robert Ford ganha é a imensa solidão dos figurantes da história, numa presença obnubilada pela própria ambição de querer competir com um mito.

Já em ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS, o regresso à grande forma dos Irmãos Coen que lhes valeu o Óscar de Melhor Filme e Realiza
dor, a figura do loser é a de Josh Brolin, o pacato Llewelyn Moss, que sonha com a fortuna quando se depara com uma mala cheia de dinheiro e alguns cadáveres em volta.

No instante em que decide levar o objecto consigo, a personagem acaba por assinar a sua sentença de morte, mesmo que esta só surja no final desta impressionante obra descodificadora das noções de suspense. A morte, essa, vem personificada no assombroso retrato que Javier Bardem faz de um assassino de estranho corte de cabelo e sem pudor em puxar o gatilho.

O que estas duas obras comprovam é que, por um lado, está instalado no cinema a
mericano uma aura negativista, um receio de quebra do bem face ao mal, com direito a erosão de valores e doses generosas de nostalgia - talvez por isso estes dois filmes pareçam fragmentos actualizados dos velhinhos westerns, com uma dose extra de desfaçatez.

Por outro, são um sinal claro que o cinema de autor não tem de vir maioritariamente da Europa. Em nome da diversidade, a América parece tê-lo redescoberto.

O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COBARDE ROBERT FORD
De Anthony Dominik (2007)

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O filme esteve paralisado longos meses e suspeitou-se que vinha aí fiasco. Nada mais errado: além de um importante olhar melancólico sobre o Oeste, este drama é também uma outra visão (muitíssimo bem filmada) sobre o mito de Jesse James. E para os seus pés de barro. Com boa fotografia e dinâmica envolvente, o filme tem a sua força motriz nos grandes desempenhos de Brad Pitt e Casey Affleck (nomeado para o Óscar).

ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS
De Joel e Ethan Coen (2007)

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Onde tem estado o cinema dos irmãos Coen nos últimos anos? Esta tem sido a pergunta repetente dos críticos, para tentar perceber-se como foi possível só agora nos lembrarmos do talento desta dupla para criar filmes negros de excepção. Já o sabíamos com
Histórias de Gangsters, Blood Simple ou Fargo, mas este parece ser um dos seus pontos mais altos em muitos anos. Não só por dar novo fôlego aos filmes de golpe, mas por criar um certo olhar de desadequação face ao presente, que ajuda à aura de clássico esperada. As figuras de Josh Brolin, Tommy Lee Jones e Javier Bardem (vencedor de um Óscar) são opostas mas complementam-se. Um triângulo que nos ajuda a perceber as diferentes motivações de quem luta pela sobrevivência. Obra-prima.