2 de março de 2008

NA SALA ESCURA: O que dá um mês de cinema?








GULA.
«Agora o meu braço está novamente completo» SWEENEY TODD (Johnny Depp)
Nas últimas semanas, as salas de cinema têm estado agitadas. Afinal, é época de prémios e todos querem ver quem segue na linha da frente dos Óscares.

Até ver, e tendo em conta que me faltam os novos filmes dos Irmãos Coen e de Paul Thomas Anderson, pode-se dizer que a colheita é recomendável, com multiplicidade de géneros, cinema de autor, recurso a musical, sátira política ou comédia de travo independente
(sim, «Uma Família À Beira de um Ataque de Nervos» encontrou um digno sucessor em JUNO!).

Este foi um mês de experiências cinéfilas dedicado exclusivamente ao cinema anglo-saxónico, mas já há saudades de outras cinematografias. As más notícias? É que em Março não se avizinham estreias por aí além. É o costume... depois da temporada forte de estreias, vêm os meses de «seca» até às grandes estreias de Verão.

JOGOS DE PODER
De Mike Nichols (2007)
* * *
A sátira política tem estado algo afastada do grande cinema comercial norte-americano. Por isso mesmo, é de aplaudir este esforço de Mike Nichols em expandir-se no género recorrendo à história verídica do congressista playboy que, contra ventos e marés, consegue avançar com a mais bem sucedida operação secreta da história, que lembra as «várias vidas» das tropas norte-americanas em países do Médio Oriente. Cabe a Tom Hanks viver o lado paródico de Charlie Wilson, negligenciando a sua imagem de herói moral e tornando todo este preenchido modelo dramático num curioso olhar para os telhados de vidro da Nação que se reclama a mais poderosa do mundo. E que raramente se ri de si própria, com a argúcia de um ardiloso argumento que só peca nas caricaturas excessivas das personagens secundárias - sim, tanto Philip Seymour Hoffman como Julia Roberts agarram os seus papéis como podem, mas tanto o agente renegado da CIA como a «socialite» influente não têm um pingo de realismo dramático. Algo que fica bem no tom paródico da obra, mas que a trava nos voos mais sérios.

JUNO
De Jason Reitman (2007)
* * * *
É de longe conhecida a tradição do cinema independente norte-americano. O mais estranho e paradoxal - mas ao mesmo tempo salutar - é pensar que os próprios grandes estúdios têm departamentos dedicados a filmes mais pequenos e a experiências onde o cinema quer procurar novas dramaturgias e uma forma diferente de respirar. É o que se consegue neste trabalho de Jason Reitman, produzido pela divisão Searchlight Pictures da 20th Century Fox, e que tem o mérito de ser o «pequeno grande filme do ano» em matéria de prémios. Porquê? Mais uma vez por uma assombrosa simplicidade, verve apetecível na construção descomplexada das figuras e mascarar um drama humano num conto afável e de forte cariz humanista. Nesta história de uma jovem impreparada para ser mãe, tudo escapa aos chavões das «mães de aluguer» para se dar a conhecer uma menina mais madura do que à primeira vista poderia parecer. JUNO é também uma excelente oportunidade para conhecer o talento de Ellen Page e dar uma segunda hipótese à comédia familiar que é também um desempoeirado olhar sobre a adolescência.

SWEENEY TODD
De Tim Burton (2007)
* * * * *
Tim Burton num... musical? Se o mesmo é passado numa Londres cinzenta e mete sangue a rodos a coisa começa a fazer outro sentido. Pois bem, o realizador de «Eduardo Mãos de Tesoura» parece ter esperado anos e anos para que o seu estilo se encaixasse tão bem numa história, ainda que não original. Burton é infalível no modo como recupera o lado tétrico da obra de Stephen Sondheim e tem tudo no lugar certo: a gestão dramática, a componente plástica das imagens ou o inspirado talento para introduzir a música - às vezes tão cortante como a própria lâmina do protagonista. Depois, há os actores: desde uma sapiente Helen Bonham Carter a um caricatural Sacha Baron Cohen. Já para não falar de Johnny Depp, naquele que será o mais desafiante papel da sua carreira. Com umas impressionantes olheiras. Sim, Depp constrói a complexidade afectiva de Sweeney Todd a partir dos olhos.

EXPIAÇÃO
De Joe Wright (2007)
* * * *
A crítica mais erudita esquartejou este melodrama que é também o filme mais académico na corrida aos Óscares. Talvez esteja a ficar conservador, nostálgico ou menos exigente, mas sinto que esta interpretação do romance de Ian McEwan é um belo exemplo das potencialidades estéticas e dramáticas do grande cinema romântico. A estrutura da obra, a atenção que se dá aos pormenores quer visíveis quer a nível fílmico revelam uma imensa maturidade e um cuidado artístico a valorizar. Pode cair no «dramalhão» que traduz uma história de amor fracassada por uma injustiça, mas é muito mais profundo do que isso no modo como os protagonistas calcam as suas convicções no espectador. Em particular a personagem de Saoirse Ronan, na pele da pequena Briony, um interessante caso a reter. Ainda bem que há espaço para este tipo de cinema. Mais do que tudo, EXPIAÇÃO mostra que ainda é possível contar romances à maneira antiga.