12 de novembro de 2007

NA SALA ESCURA: Um «check up» à América










IRA.
«Enquanto isso, vou ter com o Governo a ver se o convenço a lavar-me a roupa.» MICHAEL MOORE
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Michael Moore é uma pessoa incómoda. Daquelas que as pessoas com poder evitam porque sabem que o mesmo não sai de cima caso tenha alguma coisa a dizer. E anda sempre com uma câmara mais incómoda ainda atrás dele. É irónico, demagogo, «esquerdalho», sensacionalista, deturpador, dizem alguns.

É certeiro, justo, polivalente, batalhador, delator, dizem outros. Sim, sabe-se que um documentário de Michael Moore nunca é bem um documentário, no sentido isento do termo. É antes um produto argumentativo, geralmente assente num tema do qual não dá para desviar o olhar e muito bem montado! Pontos negativos? Michael Moore pode ser tão tendencioso quanto as pessoas que condena, como o fez com a Administração Bush em «Fahrenheit 9/11».

Sabe-se que o senhor que manda lá nos Estados Unidos é pouco dado à inteligência, não agiu como devia, mas não é o ser monstruoso que Moore nos quer fazer pintar.

Pontos positivos? Colocar o dedo na ferida, mostrar por «A mais B» que a América é um poço de contradições e vulnerabilidades, algumas inaceitáveis. Fê-lo muito bem em «Bowling For Columbine» e volta a acertar com o seu bisturi em SICKO.

Assim, por mais críticas que se possam fazer ao seu estilo, Michael Moore é ainda quem consegue levar mais gente a ir ao cinema ouvir falar sobre as incongruências da maior economia do mundo. Porquê? Porque independentemente da sua falta de isenção toca em temas indesculpáveis no seu paradoxo, quanto mais ajudam a minar a reputação de uma Nação que se quer líder.

Primeiro com a violência, agora com o sistema nacional de Saúde, Michael Moore cumpre um duplo serviço público: mostra-nos uma realidade pouco evidente - a de que praticamente não existe serviço público nos EUA, estando a maioria dos americanos à mercê de seguros de saúde para pagarem os seus tratamentos - e ajuda-nos a valorizar ainda mais o nosso parco e imperfeito sistema de saúde.

No meio, brinca com os antagonismos da situação, alerta para obscenidades morais do seu país (como puderam os EUA não comparticipar os tratamentos aos problemas respiratórios dos voluntários que ajudaram a recompor o Ground Zero, após o 11 de Setembro?), esbarra no sensacionalismo (a sua incursão a Guantánamo é anedótica) e entra pela vida privada das pessoas a dentro (quando tenta saber quanto ganha um médico francês ou britânico).

Em SICKO, o espectador fica doente perante o que vê e percebe que a América já foi mais sã. Mas não é isso mesmo que Michael Moore adora mostrar?

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SICKO
De Michael Moore (2007)
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O «sonho americano» é uma miragem para quem não tem seguro de saúde. Pelo menos, é o que nos mostra o documentário de Michael Moore. Longe de ser um prodígio no seu género - as imagens agenciam-se sem mestria suplementar, cuidados com a fotografia denotam-se pouco, dado que Michael Moore mantém a vontade de criar imagens semiamadoras para evidenciar o tom de revelação e pesquisa aturada -, SICKO é pragmático e apela à reflexão sobre as contrariedades do mundo moderno. E isso basta para ser um objecto cinematográfico a ter em conta.

1 comentário:

Carlos M. Reis disse...

Na mouche. Recomendo-te a primeira temporad de "The Awful Truth", onde Moore está mais liberto do que nunca, com pequenas tiradas absolutamente geniais (aborda 2 ou 3 casos por episódio de 30 minutos).

Cumprimentos.