13 de dezembro de 2007

NA SALA ESCURA: A Estranha em Mim







IRA.
«Sempre acreditei que o medo pertencia às outras pessoas. Pessoas mais fracas. Nunca antes me tinha tocado. Até que tocou.» ERICA (Jodie Foster)

Como expor a violência no grande ecrã sem resvalar para o óbvio? A resposta já nos tinha sido dada bem recentemente com o tratado intimista de «Uma História de Violência», em que David Cronenberg revelava a outra pele do aparentemente pacífico Viggo Mortensen. Agora foi a vez de Neil Jordan nos ferir a vista não tanto pela crueza das imagens (que também as há...) mas pelas convulsões interiores de uma mulher.

O facto da história de A ESTRANHA EM MIM se centrar numa mulher acaba por espoletar envolvência emocional e surpresa face à mutação psicológica da personagem de Jodie Foster.

Sem condescendências, o filme desaba sobre nós logo no início, quando Erica, uma apaixonada locutora de rádio perde o seu noivo num abrupto e inexplicável assalto. Mas esse é apenas o ponto de viragem, a força motriz capaz de nos explicar o abalo sentimental que a protagonista sofre.

Em vez de indefesa, a «nova Erica» torna-se uma mulher fria, lacónica e que reage para não sucumbir ao medo. Uma mudança inesperada mas descrita com uma densidade moral inabalável e que comprova o talento de Neil Jordan (quem viu com atenção «Jogo de Lágrimas» ou «O Fim da Aventura» sabe disso muito bem) para a incisão dramática.

Além de brutal e voraz, A ESTRANHA EM MIM tem outra grande qualidade: é muito bem filmado. A forma como o realizador encadeia as imagens do assalto com as que são filmadas pela câmara de um dos criminosos é de uma beleza terrífica, bem como o balancear visual entre as imagens do corpo da personagem de Jodie Foster em coma com os momentos íntimos com o futuro marido (entretanto assassinado).

Há muitas ideias técnicas por aqui e só o final moralmente condenável, a querer forçar o «twist», pode fragilizar um dos mais brilhantes tratados sobre a convulsão de valores e as oscilações de personalidade. Será que Jodie Foster traz o terceiro Óscar de Melhor Actriz para casa?



A ESTRANHA EM MIM
De Neil Jordan (2007)
* * * * *

Uma mulher que vive à procura das «entranhas» da cidade, torna-se uma estranha de si própria quando o seu noivo é assassinado num brutal ataque criminoso. De repente, as mesmas ruas de Nova Iorque que adorava percorrer em busca de sons para o seu programa de rádio tornam-se locais de medo, com personagens estranhas e potenciais ameaças. Sucumbir a esse sentimento podia parecer a opção mais óbvia, mas aí não chegaríamos a um dos mais brilhantes tratados modernos sobre as implicações da violência. Neil Jordan é um realizador de primeira linha e Jodie Foster volta a acertar em mais um desempenho intenso. Que se lhe cola de tal forma à pele, que nem sequer imaginamos outra actriz no seu lugar. Um dos filmes do ano!

1 comentário:

Cataclismo Cerebral disse...

Concordo absolutamente com a tua crítica. Espero que a Jodie consiga arrebatar o seu terceiro óscar.

Abraço