24 de agosto de 2006

NA SALA ESCURA: A maldição do filme do meio

É quase uma regra em filmes de grande dimensão: ao criar-se uma trilogia a partir de obras com elevado património narrativo, o segundo filme é (quase) sempre o que fica a perder. Algo perdido por estabelecer uma ponte entre o capítulo inicial e aquele que irá pôr termo à saga, o filme do meio costuma ter acção em grande escala, distorcer as motivações iniciais dos protagonistas para "baralhar e dar de novo" e, acima de tudo, contar uma peripécia secundária, quase sempre inconclusiva, deixando, no final, um apontamento em aberto para o derradeiro capítulo. Por esta razão, os filmes do meio são uma forma simples dos grandes estúdios ganharem dinheiro. São raros os casos em que esta regra de mais "marketing" do que cinema não funciona, como em O Senhor dos Anéis, mas também nem todas as trilogias se baseiam num universo literário e onírico tão poderoso e complexo como o desenhado pela mestria de Tolkien. É mais habitual que tudo se passe como em Matrix (que chega ao extremo do terceiro ser mesmo o mais fraco dos capítulos), American Pie, Austin Powers ou Parque Jurássico. E o mesmo se parece aplicar com Piratas das Caraíbas, o filme de aventuras que resgatou as grandes fitas de piratas para o topo das bilheteiras e salvou a Disney de mais um fracasso, mas que, depois de uma inventiva obra de estreia, se estendeu ao comprido na sequela que se estreou há pouco nas salas nacionais. O Cofre do Homem Morto é muito divertido mas corrompe qualquer esforço de uma história coesa, desfazendo até as boas premissas do início (aqui, a relação entre Will e Elizabeth passa para segundo plano, além de que o próprio Jack Sparrow anda excessivamente à deriva). Deixa muitas pontas soltas para serem resolvidas no capítulo que se estreará no Verão do próximo ano. Resta saber se esse derradeiro episódio consegue restituir a aura de aventura clássica que o primeiro Piratas das Caraíbas tão bem soube estabelecer.


Pecado do Dia: Preguiça

Se há um aspecto que o primeiro capítulo de Piratas das Caraíbas conseguiu impor foi uma das mais deliciosas composições dramáticas de um herói pouco convencional, à semelhança de Indiana Jones. O pirata Jack Sparrow colou-se à pele de Johnny Depp que, com este filme de aventuras, conseguiu provar finalmente ao grande público que é um excelente actor de comédia, capaz de arriscar nas interpretações, neste caso criando uma hipótese de "mimo" para o século XXI. O que se passa é que neste segundo capítulo, Piratas das Caraíbas: O Cofre do Homem Morto, o realizador Gore Verbinski dá prevalência à diversão pura e dura, aos efeitos especiais de ponta, aos diálogos desconexos, às coreografias de luta excessivas, às reviravoltas narrativas desprovidas de sentido e aos seus vilões (apesar das muitas fraquezas da história, o vilão Davy Jones é talvez o ponto mais interessante desta sequela). Para trás fica Jack Sparrow, o casal Will e Elizabeth, uma intriga sustentada e uma ideia de entretenimento com fundamento. Na verdade, O Cofre do Homem Morto deixa tudo em suspenso, explora mal a introdução da figura do pai de Will e é, por vezes, tão tonto (como acontece na extensa sequência passada na ilha deserta) que chega a embaraçar o espectador. Apesar de tudo, a noção de espectáculo não está ausente e há uma vontade em quebrar alguns constrangimentos do primeiro filme - a ambiguidade da relação entre Elizabeth e Jack Sparrow é ambiciosa perto do final do filme, o monstro marinho é uma boa ideia mas desperdiçada... O que parece é que este O Cofre do Homem Morto foi inteiramente feito para encher os cofres necessitados da Disney. O que esperar de 2007? * *

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