2 de agosto de 2006

NA SALA ESCURA: O divórcio como reencontro com o cinema

É bom ver que ainda se encontram filmes de selo independente em exibição nas salas nacionais, escapando à ditadura de saírem de cena ao fim de uma ou duas semanas após a estreia. Estreado há cerca de dois meses, A Lula e a Baleia é um desses filmes resistentes (ainda é relativamente fácil encontrá-lo nas salas, como a do Saldanha Residence) e tem todas as razões para isso: uma história soberba, um argumento profundamente realista, um naipe de actores escolhidos a dedo e uma atmosfera "indy" que o beneficia em matéria de prestígio. É certo que demorou a estrear (foi dos filmes que esteve na corrida para o Óscar e que mais tarde chegou comparativamente à estreia nos Estados Unidos), mas a sua qualidade (não esqueçamos que foi produzido por Wes "Tenembaum" Anderson) compensou essa demora. Há algum tempo que não me deixava envolver por um drama familiar tão bem construído à volta de um tema relativamente banal, neste caso um divórcio - uma das últimas vezes em que aconteceu foi, talvez, com O Quarto do Filho de Nanni Moretti. E o quase estreante Noah Baumbach, argumentista de The Life Acquatic, consegue transpor todas as subtilezas da escrita para imagens, conseguindo aproveitar as interrrogações das personagens à custa de diálogos que se transcendem e de um recurso mais ou menos realista de acções comuns. Aquelas que nunca costumam aparecer nos filmes... Mas este filme é um bom alerta de que o princípio "E viveram felizes para sempre..." já é uma ideia descontextualizada nos tempos omniscientes de hoje.

Pecado do Dia: Inveja

É este o sentimento que se tem quando se vê a forma como Noah Baumbach conjuga as repercussões afectivas de um divórcio com o despertar da adolescência. E traça o retrato de dois jovens sem hesitar em revelar os seus momentos de intimidade e os seus rituais de descoberta. O realizador, que se vê ter-se inspirado muito pelo estilo perfeccionista e cénico de Wes Anderson, afirmou que A Lula e a Baleia tem um grande alicerce auto-biográfico. E isso pressente-se... Mas é impressionante como mostra a subjectividade que cada um dos pais (excelentes Jeff Daniels e Laura Linney) tem - nenhum deles é modelo de paternidade, mas haverá pais ideais? A riqueza dramática (aparentemente niilista) de A Lula e a Baleia causam inveja porque a simplicidade parece nunca antes ter sido descoberta. E pode servir de lição para a maioria dos telefilmes "casos da vida" e para uma ou outra experiência emocional que rapidamente cede a moralismos. Ninguém é perfeito, só nos resta procurar um bocadinho de lucidez. E de conforto. * * * *

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