Comprovei recentemente que há ainda uma série de obras preciosas inexistentes em DVD em edição portuguesa (Ed Wood, de Tim Burton onde estás?). Um fenómeno que tende a ser colmatado por editoras que se preocupam em fugir às estreias obrigatórias e a repescar clássicos esquecidos pela fita falível do VHS. A Atalanta Filmes e a Costa do Castelo têm pregado boas surpresas, revelando estarem atentas ao cinema que se fez e se vai fazendo de vários estilos e nacionalidades. Descobri recentemente na FNAC, uma edição especial do clássico A Guerra do Fogo, de Jean Jacques Annaud, obra europeia de 1981 (!?) que é ainda um excelente exemplo de como o cinema se consegue metamorfosear e quebrar barreiras espacio-temporais, neste caso específico atravessando a linha cronológica das eras e fazer o espectador recuar 80 mil anos. O resultado, asseguro, continua a ser surpreendente. Como a descoberta de que com duas pedras (ou um pau, um tronco e um monte de caruma) se consegue criar fogo.
Pecado do Dia: Inveja
A ideia de Annaud, que se iniciou no cinema com menos de 20 anos e que sempre demonstrou vontade em experimentar novas tonalidades visuais e dramáticas, é de génio, tão ambiciosa quanto inverosímil para o início da década de 80, segundo os produtores que demoraram a avançar com o projecto. Por isso, só se pode sentir inveja de Annaud que constrói, nesta odisseia Pré-Histórica algo bizarra mas muito emocionante, uma espécie de "cinema-verité", se é que se pode assumir como realista a visão dos homens de há 80 mil anos com base essencialmente em relatos científicos. A Guerra do Fogo funciona e faz-nos acreditar no cinema como manual de História, capaz de partir de uma aventura entre três amigos de uma tribo que vão à procura da chama, uma ferramenta tão útil quanto as armas de caça ou as peles dos animais para criar vestuário. A fluidez com que Annaud gere a ficção com o documento científico é de louvar, ainda para mais em quase hora e meia sem diálogos. Mas para quê, se tudo se pode expressar com um gesto, um som ou um jogo de planos? O DVD recentemente lançado, que resulta de uma parceria entre a FNAC e a Costa do Castelo, possui ainda extras a reter como o "trailer" e um documentário sobre o fenómeno de um pequeno filme europeu estranho, que acabou por ser um êxito mundial em 1981 e conquistou até o Óscar para Melhor Maquilhagem. O resto é História. * * * *
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