21 de agosto de 2006

NA SALA ESCURA: O herói que poderia ser pássaro ou avião

Qual o sentido de se actualizar um super-herói associado a uma data específica, os míticos anos 70 e 80, e a um actor que nunca se desprendeu do seu fato - Christopher Reeve? Hoje o herói de "collants" que voa e tem uma força de aço pode atingir o pico da celebridade num período em que as referências são mais descartáveis do que nunca e as imagens ficam cada vez menos presas na retina? Parece que... sim e a razão para isso é colocar na realização um cineasta que seja verdadeiro fã da saga. Bryan Singer, que iniciou a carreira com um filme independente de culto - há alguém que não recorde o "twist" de Os Suspeitos do Costume? - e depois aceitou o repto de fundir BD com cinema em grande escala nos dois primeiros capítulos de X-Men, consegue neste novo Super-Homem - O Regresso, que já chegou às salas há duas semanas e com uma discrição estranha para quem queria ser o "blockbuster" da temporada, uma proeza: actualizar sem corromper o património. Ou seja, apesar desta nova versão (há muito "encalhada" nos estúdios de Hollywood) representar mais um sinal de que é preciso ir às velhas fórmulas para encontrar potenciais êxitos, o filme é surpreendentemente equilibrado entre o "fogo-de-artifício" necessário para um grande espectáculo associado a um super-herói e as nuances emocionais de uma personagem que não se consegue desprender do seu fato (escurecido e, apesar de tudo, com mais classe) e entregar-se ao amor por Lois Lane. As premissas estão cá todas, assim como o vilão Lex Luthor, planos megalómanos, tecnologias medidas com peso e medida e... um gosto assumido pela memória da BD. O segredo deste Super-Homem - O Regresso, que já chegou aos 200 milhões de dólares nas bilheteiras norte-americanas (mas que ainda não deu muito lucro porque esse foi o seu preço de produção), é Bryan Singer, cineasta capaz de dar doses generosas de entretenimento e que não tem medo de arriscar. Até ao ponto de, perto do final deste filme, vermos o herói a ter de entrar num serviço de urgências. Alguém já tinha imaginado Super-Homem a receber massagens de reanimação?

Pecado do dia: Soberba

Apesar de durar quase duas horas e meia (qualidade que parece fundamental para um filme se assumir como épico), Super-Homem - O Regresso é vertiginoso, tem poucos momentos mortos, uma estrutura familiar complexa e um vilão exageradamente cruel que, apesar de pouco profundo, permite a Kevin Spacey exercer o seu cinismo habitual (e irresistível) em doses de número circense próximos do de Jack Nicholson no primeiro Batman de Tim Burton. Desta vez, o tempo passou e quando Clark Kent (Brandon Routh, a fazer esquecer sem convencimento a memória de Christopher Reeve) regressa ao "Daily Planet" percebe que Lois Lane (Kate Busworth) refez a sua vida, é casada e tem um filho. O pior é que Lex Luthor dá novos sinais de vida e pretende criar um espaço só seu. A seu lado está uma bem trabalhada Kitty (Parker Posey, com visual à Wanda Stuart, revela para os mais distraídos que é uma excelente actriz de comédia) e uma megalomania que nos lembra que esta é uma história de super-heróis com as habituais doses de cosmogonia. As cenas de acção são brilhantes - tanto a inicial com um avião a alta velocidade como a do barco -, contrastam com os voos deslizantes do herói com Lois, em momentos de envolvimento romântico. No final, Bryan Singer cumpre a função de actualizar o herói para o novo século, que regressa com o mesmo fôlego de um Homem-Aranha ou um Batman. Não, não é um avião nem um pássaro, é um ícone do entretenimento moderno a mostrar que ainda está vivo... * * * *

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