22 de agosto de 2007

NA SALA ESCURA: O monstro chegou à cidade

IRA. «Cada filme tem o seu género, e eu parto dos códigos de um género para acabar por destruí-lo, fugindo dele, porque o que me interessa realmente é falar da sociedade coreana.» BONG JOON-HO, Realizador

A tradição do cinema de monstros é tão velha quanto King Kong, isto para dizer que tem acompanhado desde sempre o cinema, evoluindo em verosimilhança e acção à medida que os efeitos especiais permitem testar novas fórmulas. Porém, é também um género pouco dado a histórias densas, de complexidade moral, dado que quase sempre o enredo é apenas um ténue e superficial suporte para fazer brilhar criaturas bizarras. Como se sabe, o cinema oriental é muito prolífico nos filmes de monstros, desde que Godzilla chegou à cidade em 1954, defrontando, a partir daí, os mais rebuscados vilões em dezenas de filmes de espírito «série B». No entanto, a ideia de que um filme de monstros é um mero rol de cenas de acção para exibir técnicas digitais de ponta, relegando uma boa história para segundo plano, tem excepções. E THE HOST - A CRIATURA é uma delas. Com origem na Coreia do Sul, o filme é um bálsamo de inventividade e de completa noção de até onde pode ir o bom espectáculo de terror. Ao contar, com ironia pouco subtil quanto à crítica da omnipotência norte-americana, o surgimento de um monstro criado a partir dos esgotos (e formado pela mistura de substâncias químicas deitadas para o rio), o realizador Bong Joon-Ho é simples e muitíssimo eficaz, oscilando as cenas de terror clássico com o rumo de uma família descoordenada e de poucos meios. O motor da história é simples: quando vem à superfície (numa impressionante sequência de acção vertiginosa), a criatura faz uma série de vítimas e leva consigo de volta para o esgoto uma criança adorável. Depois de receber um sinal de que ainda está viva, o pai da mesma reúne a família hóstil mas unida para seguir o rasto da menina e aniquilar a bizarra criatura, com um visual a lembrar o ser alienígena que atormentou Sigourney Weaver por quatro vezes. E é no retrato complexo dessa família que Joon-Ho vai concentrar energias e explorar ao máximo até que ponto a vontade permite alcançar objectivos. No meio, há muitos sustos, imagens coerentes da besta à procura de próximas vítimas, uma crítica à (falsa) obsessão das autoridades pela higiene e... um longo esgar mordaz perante as forças norte-americanas. No final, o que fica é uma imensa aventura, uma jornada louca e um novo retrato de resposta a Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos. E fica também um sinal de esperança: afinal ainda há filmes de monstros que conseguem surpreender sem desvirtuar o poder e o imaginário do cinema.

THE HOST - A CRIATURA
De Bong Joon-Ho (2006)
* * * *
Depois de uma passagem marcante pelo Fantasporto (recebeu prémio e tudo), este enorme sucesso da Coreia do Sul ganhou um passo firme nas salas de cinema nacionais. E ainda bem: a história é voraz e enérgica, a criatura é filmada com convicção e ataca em óptimas sequências de acção, a família desmembrada é deliciosamente afoita e... o final não vai ser o esperado. Ao condensar todas as emoções em quase duas horas, o filme é uma imensa montanha-russa, algo lacónica mas bastante funcional. Será que um filme de monstros pode ser um dos filmes do ano? Pode e THE HOST - A CRIATURA é-o certamente. Hollywood está atenta e, tão devoradora quanto a besta retratada, já comprou os direitos para realizar uma sequela. A surpresa, esssa, não será certamente a mesma. Obrigatório ver!

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