24 de agosto de 2007

Os extremos tocam-se no cinema francês

AVAREZA. «Faço filmes para saber por que razão os faço. O desejo é o único motor.» CÉDRIC KAHN

Na apresentação à imprensa francesa de SINAIS VERMELHOS, em 2004, houve quem lhe tenha feito a pergunta: afinal, como é que escolhe os seus filmes? Conhecido por evitar rótulos e tentar criar um equilíbrio na gestão dramática sem se afastar das faixas mais largas de público, Cédric Kahn foi sucinto na resposta: «Faço filmes para saber por que razão os faço.» O conceito, embora lacónico, é entendido melhor para quem vê de rajada as suas duas melhores obras que a Atalanta Filmes decidiu compilar num só DVD. O já referido «Sinais Vermelhos» e «O Tédio» (este último produzido por Paulo Branco) são antagónicos nas histórias que apresentam mas próximos no modo como filmam personagens em situações extremas e como deixam perceber que, acima de tudo, é o pulsar emocional que move esta promessa do novo cinema francês. Não só porque aglutina o virtuosismo da mais autoral obra europeia, como consegue criar um efeito viciante e sensual nas imagens que agencia com perícia (reflexo dos seus primeiros passos na montagem televisiva). Nem sempre muito razoáveis, mas sempre justificáveis. Algo que fortalece a ideia para um cinema que não tem outro objectivo além de ser testemunhado com intensidade. Em «Sinais Vermelhos», é a tradição dos policiais de Claude Chabrol e a envolvência clássica do suspense de Alfred Hitchcock que, imediatamente, vêm à memória assim que se assiste às primeiras coordenadas da acção: Antoine (um excelente Jean-Pierre Darroussin) e Helène (Carole Bouquet) decidem, numa noite de Verão, ir buscar os filhos à colónia de férias. O trânsito obriga a seguir pela estrada nacional e, à medida que Antoine se deixa dominar pelo álcool nas paragens que vai fazendo, a sua vida ganha tanto em expiação de comportamentos mal resolvidos quanto em complicações. Helène acaba por abandonar o carro e seguir viagem sozinha, só que a notícia de que um criminoso anda em fuga na região vem adensar uma estranha jornada nocturna, filmada em tempo real e com poucas rupturas cronológicas. Com «Sinais Vermelhos», Cédric Kahn testa as convenções do thriller e mascara-o de road movie intenso, com direito a um twist quando a acção nem sequer precisava dele para ser igualmente poderosa. Já com «O Tédio», a similitude nas deambulações do protagonista são um dos poucos pontos de contacto com a obra anterior, dado que o dilema de Martin (Charles Berling), professor de Filosofia que anda à procura de um sentido para a vida, se acentua assim que decide seguir o rasto de um misterioso pintor de nus femininos. Após a morte súbita deste, Martin envolve-se com a sua musa, Cecilia (a estreante Sophie Guillemin), uma jovem de apenas 17 anos que o transporta para uma rotina de puro desfrute carnal. Entre a pureza e a indiferença, ela torna-se uma obsessão que o leva a questionar as suas teorias afectivas. Brusco, «O Tédio» é a espaços vazio, mas consegue reforçar em cada cena as suas motivações dramáticas. Acima de tudo, é mais uma experiência-teste do cineasta. Como realizador de contrastes, Cédric Kahn tem, por isso, lutado contra ideias pré-concebidas até na elaboração da sua carreira – ao ponto da sua última obra (também já editada em DVD) ser a de um conto infantil delicodoce, «O Avião», em que um jovem crê que o seu brinquedo preferido contém a alma do pai falecido num inesperado acidente.

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