IRA. «Lembras-te quando disse que este carro era à prova de morte?Bem, não estava a mentir. Este carro é 100% à prova de morte. Mas para o poder usufruir tens mesmo de estar sentada no meu lugar.» STUNTMAN MIKE (Kurt Russell)
Depois de ter derramado sangue a rodos, aproveitando pelo caminho para homenagear os filmes de samurais, o western ou a acção desregrada, eis que Quentin Tarantino volta a hesitar em trazer novo cinema dramaticamente responsável e cede à perversão, à homenagem a géneros esquecidos e desdenhados, à coolness. Na verdade, o realizador de «Cães Danados» continua a não querer ser levado a sério, ou melhor quer ser levado a sério explorando temas marginais e resgatando-os do esquecimento. Se a homenagem às sessões de cinema grindhouse é uma boa ideia, por outro lado fica a sensação que Tarantino é mesmo o espírito cinéfilo voraz e inconsequente que não consegue dar um passo em frente. Sou da opinião que o mais interessante e ousado realizador da sua geração se encontra num impasse: como criar uma obra genuinamente sua sem perder o espírito transgressor? Como tal, e perante a ausência de resposta, o realizador diverte-se a desmontar chavões de subgéneros relegando para depois (nunca?) uma investida mesmo séria num território verdadeiramente original, só seu. E isso nota-se neste novo À PROVA DE MORTE: o filme funciona muito bem para manter a mística do cineasta revisitador e desbragado, mas não avança um milímetro numa mudança, numa jogada mais arriscada dentro dos contornos da sua carreira de 15 anos. É diversão negra, novamente com conversas a oscilar entre o kitsch e a perversão deliciosa, sem esquecer as referências a marcas e acontecimentos que remetem, por exemplo, para o diálogo inicial de «Cães Danados» sobre Madonna ou o sentido das gorjetas. Sem querer ser um road movie, acaba por sê-lo, a lembrar a obra de estreia de Steven Spielberg («Duel») ou, levemente, um outro filme de Kurt Russell, embora este mais sério e realista, «Avaria no Asfalto». O que fica depois de À PROVA DE MORTE? Uma lembrança de que uma boa história nas mãos de Tarantino pode transformar-se em outra coisa qualquer e nunca se sabe que desenlace a história vai ser... Nada é esquemático, apesar do filme se reger no seu todo pelo estilo que quer convocar. E isso nota-se num dos seus pontos mais inventivos: as imperfeições intencionais da imagem, os planos sobrepostos, o grão na fita, o corte abrupto entre os planos. Como bom filme que respeita a aura «tarantinesca», traz para a colecção de personagens bizarras mas inesquecíveis - onde já estavam A Noiva, Mr. White ou Mr. Pink, Vincent Vega, entre outros - o Stuntman Mike, excelente reabilitação artística de Kurt Russell (que insiste em acumular obras de culto no currículo, muitas das quais por «culpa» de John Carpenter). Embora caloroso e assumidamente «série B», o filme só falha por seguir demasiado à risca aquilo que se espera de uma obra de Quentin Tarantino. Isso pode ser uma enorme qualidade, mas para um realizador tão ousado, não faltará um bocadinho de amadurecimento? É assim tão difícil escapar aos vícios do estilo de homenagem? O próprio Tarantino não se deve preocupar muito com a resposta.
À PROVA DE MORTE
De Quentin Tarantino (2007)
* * * *
Enquanto se aguarda com expectativa a segunda parte do projecto Grindhouse (pela mão do «amigo» Robert Rodríguez), Tarantino chegou primeiro e partiu a loiça toda. O seu filme quer prestar homenagem aos road movies marginais e convoca uma personagem bizarra que se assume como vilão para uma história que tem pouco para contar, além de explorar as suas personagens femininas, com diálogos dengosos, que se vão tornar em vítimas perfeitas nas garras de um vilão que é um imenso cromo. Muito cool e assumidamente ligeiro, o filme convence pela sua aura retro, pela banda sonora novamente espantosa, pelas inúmeras piscadelas de olho à cultura pop dos últimos anos e por um cinema de acção desregrado e inconsequente. Tarantino, quando é que cresces? No caminho, continuamos a ser «putos reguilas» contigo...
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