15 de julho de 2006

NA SALA ESCURA: O banal é cinematográfico

O filme entrou de mansinho nas salas nacionais. Antes, passara pelo IndieLisboa com bons resultados. Mas houve muita gente que o foi ver por acaso, por ouvir dizer que era diferente ou pelo título apelativo que define a componente interrogadora e comunicativa que domina a história. Eu e Tu e Todos os Que Conhecemos é uma interessante obra de estreia da artista plástica Miranda July, que também interpreta o papel principal. Mas do que fala esta pequena obra norte-americana que continua a reflectir o sopro inventivo do cinema "indie" e que, como nunca anteriormente, tem dado passos de gigante? Fala de pequenos nadas, da vontade de comunicar, dos percalços na envolvência interpessoal e articula tudo com uma óptima condução narrativa... No fundo, é o moderno filme independente por excelência, dado que possui a frescura técnica e a vontade em criar um realismo onírico para personagens impregnadas de idiossincrasias. O seu êxito minoritário é sinal de que ainda há gente que gosta de se desdobrar em experiências cinéfilas, procurando no grande ecrã uma surpresa ou um desafio às convicções enquanto espectador (e este filme é carregado de "piscadelas de olho", convidando a quem quiser a embrenhar-se na intimidade de um casal que tarda em encontrar um ponto de sintonia num universo desconexo e tendencialmente depressivo). E é também salutar a sua presença nas salas de cinema nacionais. Porque até nos últimos tempos nem nos podemos queixar de estreias de pequenos filmes, daqueles que tratam as banalidades do dia-a-dia como diamante dramático em bruto para uma longa-metragem. Exemplos? A Lula e a Baleia, Chupa no Dedo ou Os Amigos de Dean.

Pecado do Dia: Preguiça

Miranda July não tem pressa em apresentar as suas personagens ou fazer crer ao espectador onde pretende ir em matéria dramática. É até bastante "preguiçosa" neste ponto e... ainda bem. Mais centrada nos pormenores estéticos e introspectivos das personagens, é quase por acaso que entendemos que a relação dos dois filhos de Richard (John Hawkes) com o pai já teve melhores dias ou que Christine (Miranda July) escolheu a profissão de "taxista de idosos" porque não gosta de estar sozinha. Mas sabemos o essencial porque em Eu e Tu e Todos os Que Conhecemos o que se pretende é dar pequenos episódios da realidade de cada pessoa, com uma apreensão mais realista do que cinematográfica da história. Leve e ambiciosa, a vida desta gente sem coordenadas impõe-se à custa de momentos, como aquele maravilhoso teste à vida e morte de um peixe que se encontra num saco de plástico e em cima de um carro em movimento... Miranda July sabe o que quer e nunca envereda pelos percursos mais fáceis. Na tela, parece preferir os caminhos mais sinuosos e sumarentos do que os pré-estabelecidos. Vencedor da Câmara de Ouro do Festival de Cannes, Eu e Tu e Todos os Que Conhecemos é a sugestão perfeita para as noites quentes destes dias. Não só porque refresca o espírito, mas também porque ajuda a perceber que, no meio do caos do dia-a-dia, ainda há muito por descobrir e é sempre possível criar uma ordem alternativa... * * * *

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