25 de julho de 2006

Um simulacro de Kurt Cobain

O cinema King repescou uma velha fórmula do cinema Ávila para os meses mornos de Verão em matéria de estreias cinematográficas relevantes: reexibe as obras mais marcantes do último ano, em matéria de aceitação mais crítica do que mediática, que resulta numa segunda oportunidade para ir ver na sala escura obras que escaparam à vasta oferta e que estiveram em exibição em poucos espaços por serem, na sua maioria, filmes artísticos, de autor, com uma sólida estrutura de composição. Ao longo do dia de hoje, nos horários das 14.00, 16.30, 19.00 e 21.30, a sala 3 recorda (mesmo depois de já se ter estreado em DVD), a visão pessoal de Gus Van Sant sobre o mito (e a sua desagregação) de Kurt Cobain, apesar da alusão ser dissimulada - a começar logo por um outro nome do protagonista e por colocar em primeiro plano um estilo moroso e decadente -, a fim de melhor ilustrar a queda de um mito, neste caso o mais importantes vulto da música "grunge" da década de 90. Last Days - Os Últimos Dias é, por isso, um objecto incómodo, mais próximo do capricho técnico de Gus Van Sant, que parece não se conseguir desprender do estilo "à la Dogma" de Von Trier (apesar de menos pretensioso e mais niilista), do que um documento com alguma vontade em desconstruir as repercussões da fama incómoda. Apesar disso, merece ser visto, porque ajuda a traçar limites sobre até que ponto uma obra é legítima enquanto objecto de cinema. Na verdade, Last Days - Os Últimos Dias parece situar-se num limbo artístico, entre culto e lixo. E estes extremos por vezes tocam-se...

Pecado do Dia: Avareza

É de muita contenção de meios que se faz esta obra de Van Sant, mais por convicção e desejo de criar um estilo mais intimista, do que por necessidade. Van Sant filma uma obra para o seu umbigo e deita por terra qualquer boa ideia cinéfila. Prefere levar o espectador a deambular com o protagonista, Blake (um Michael Pitt convincente mas sem nada para dizer, porque as falas não abundam neste registo introspectivo mas vazio), que se encontra à beira da decomposição. Os seus últimos dias são apresentados quase sem cortes, num exercício de "cinema-verité" fora do contexto e contrariado pelo final pseudo-espiritual. Ruidoso, Last Days - Os Últimos Dias é desconfortável e só algumas sequências (como o longo plano de confronto com o vendedor de listas telefónicas ou o desabafo melódico de Blake - que é o único vestígio de música ao longo de toda a história) salvam o filme da pura inércia. Exercício de estilo? Talvez, mas chumbado pela pretensão intelectualizante que tem até um ponto negativo: questiona ao de leve o valor das duas obras anteriores de Van Sant, que se regem por um registo narrativo semelhante, ou seja, Gerry e Elephant, mas que conseguem passar uma mensagem relevante. * *

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