24 de julho de 2006

A ironia serve-se com pétalas de rosa

Sou mais adepto do grande ecrã e do coleccionismo de DVD do que do visionamento espontâneo de um filme num canal de televisão (também já o fui durante alguns anos... e retenho na memória uma série de óptimas descobertas ao acaso durante esse tempo). Ainda assim, o tempo passa e, muitas vezes, a programação televisiva ainda que não muito estimulante, pode trazer boas surpresas. Já senti essa necessidade, mas hoje gosto de ser eu a decidir o que ver, criar ciclos orientados pelo meu gosto ou curiosidade, procurar raridades em lojas de DVD em segunda mão e, acima de tudo, sentir o cinema como uma arte de imagens que se infiltram na retina e que, de vez em quando, é bom voltar a contrastar o efeito que temos na nossa mente com aquilo que, de facto, transparece no ecrã. Por isso, vou também estar atento, aqui no SIN CINEMA, aos destaques televisivos que me apeteça partilhar. É por isso que constato que, hoje, segunda-feira, há uma obra a passar no Lusomundo Gallery, às 23.20, que merece ser objecto de revisão. Trata-se de Beleza Americana, a obra que deu a conhecer ao mundo o dom cénico de Sam Mendes (que, desde aí, tem gorado expectativas no esforço de repetir o êxtase deste conto pouco moralista e desconstrutor de muitos mitos norte-americanos). Quem aprecia mesmo cinema, não o deixou escapar quando, no ano 2000, arrebatou cinco Óscares, incluindo o de Melhor Filme. Mas, Beleza Americana tem um dom que a maioria dos filmes nunca consegue atingir: dá vontade de ver vezes sem conta, graças à sua capacidade em se desmultiplicar em diversas linguagens, permitindo que a percepção evolua consoante o estado de vida do seu espectador. Há poucos que o conseguem (a esses chamamos "Filmes de Vida"), tais como Crepúsculo dos Deuses, Zelig, O Terceiro Homem ou La Dolce Vita. Mas esta fábula cosmopolita de Sam Mendes tem esse mérito, o de se oferecer novo a cada novo visionamento. Por isso, deve ser visto hoje à noite, quer para quem tem assinatura de um canal por cabo "premium" ou para quem tem bom gosto nas suas compras ou aluguer em cassete ou DVD.

Pecado do Dia: Inveja

Como se desconstrói um país e se expõe as suas fragilidades na sua componente mais
flagrante, não hesitando críticas incisivas e vontade em não alimentar paradoxos, descodificar hipocrisias e alertar para uma imensa crise de valores? E como extrair beleza de tudo isso? De famílias que não se encontram, pais que cobiçam amigas das filhas, homens que reprimem varões, pessoas que cedem a chantagens ou até do mero saco de plástico que oscila na rua ao sabor de uma brisa outonal... Sam Mendes tem a resposta e filma o enorme sentimento de inveja que domina os falsos moralismos urbanos com uma sensibilidade tocante e um enorme dom para misturar o realismo descoordenado do universo familiar com breves abstracções que ilustram as neuroses dos protagonistas (um Kevin Spacey sem saber para onde ir, e digno vencedor de um Óscar de Melhor Actor, e uma Anette Benning histriónica e irresistível). A fotografia é soberba, os planos artísticos também. Depois, na vontade em colocar a mão no lodo social sem luvas de pelica, sobressaem ainda as pétalas de rosa vermelhas que dão um ar metafórico e perfumado à falsa beleza americana que é, afinal, mais genuína assim que caem todas as máscaras. Afinal, quem não as usa? * * * * *

1 comentário:

emot disse...

Em falta dos canais Lusomundo, restam a boa colecção de DVD's e divx. Grande filme! No topo da lista de preferências...
Abraço,JT