18 de julho de 2006

O medo vem do Oriente

Hollywood gosta de "remakes". Ou melhor, gosta de estar atenta aos novos ventos artísticos que vão surgindo um pouco por todo o mundo, em cinematografias mais modestas e que, por terem menos meios, permitem sopros de criatividade e arrojo. Quando os grandes estúdios decidem refazer um filme - que, por qualquer motivo, se auto-trascende - nem sempre a coisa bate certo. Até porque, na maioria das vezes, o desafio é mais uma forma de preencher calendário e não traz nada de novo além da capacidade de desvirtuar uma boa ideia. Ultimamente, Hollywood descobriu o cinema oriental de terror. Tanto o Japão como a China ou Coreia do Sul, são casos com longa tradição na capacidade de gerar ambientes de alta tensão claustrofóbica, jogando com mitos, espíritos e, acima de tudo, sem medo de arriscar em personagens demoníacas ou em novas situações em que a hemoglobina é a actriz principal. Dado o culto em torno destas obras que rasgam as fronteiras do seu país de origem, Hollywood percebeu o potencial mediático deste filão e, rapidamente, têm estreado nas salas de todo o mundo obras de terror (e respectivas sequelas) cujo berço vem do Oriente. Exemplos? O Aviso (partes I e II), The Grudge - A Maldição ou Águas Passadas. Quem deixou escapar os originais pode sentir-se surpreendido pela inventividade, mas a cópia, até ao momento, muito raramente ultrapassou o original. Para os mais curiosos no género, aconselha-se uma pesquisa mais atenta nos clubes de vídeo, em festivais alternativos - como o nosso Fantasporto - ou nas lojas de DVD porque o mercado é prometedor. Há poucos dias, vi pela primeira vez Anjo ou Demónio, de Takashi Miike, e só posso dizer que a sensação de me envolver com o medo tem outro sentido mais genuíno na língua original (apesar deste filme, felizmente e apesar do sucesso, ter escapado à versão norte-americana). Quando se estreou nas salas da Suíça, houve mesmo um espectador que precisou de cuidados médicos devido ao susto. Neste género, como nos jogos de artes marciais, o cinema oriental não tem rival... Talvez por isso muitos cineastas destes países estejam a ser "caçados" pela indústria norte-americana.

Pecado do Dia: Ira

O principal segredo de Anjo ou Demónio, que deu nas vistas no Fantasporto há seis anos, é o facto de começar como um melodrama romântico, sobre a tentativa de um viúvo de refazer a sua vida afectiva, para desembocar num chocante "thriller" carnal, com direito a torturas rebuscadas (corte de membros do corpo), traumas de infância e longas alucinações. A capacidade para passar de um género antagónico para o outro, permite o choque e o embaraço do espectador, perdido num jogo estranho entre a realidade e o confronto psicológico do protagonista. Depois há a personagem feminina, Asami Yamasaki (Eihi Shiina), que vai a um "casting" para participar num filme da produtora do protagonista e, apesar de não ficar no papel de um filme que nunca chega a existir, se envolve carnalmente com o víuvo carente. Mas as coisas não são o que parecem (poderia ser de outra forma?) e Anjo ou Demónio promete muitas surpresas, como o arrepiante desabafo "mais fundo, mais fundo", da personagem feminina. Não é o que estão a pensar... É muito mais perverso do que isso... Aceitam este jogo de ira? * * * *

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