20 de julho de 2006

NA SALA ESCURA: Catástrofe à beira da extinção?

Num documentário de rodagem da nova versão de Poseidon (para quem não sabe, o filme que chegou há poucas semanas às salas nacionais é um "remake" de um clássico de 1972 com Gene Hackman), o realizador Wolfgang Petersen afirma que gosta de filmar nas profundezas porque "a água lhe dá sorte". Não foi o caso deste épico de acção, que parece mais querer aproveitar-se da fórmula de Titanic do que propriamente apresentar ideias novas. Apesar disso, Petersen prefere o "fogo-de-artifício" dos efeitos especiais com "feeling série B" do que o sentimentalismo que James Cameron usou (e abusou) entre DiCaprio e Winslet. Aqui, o grupo de personagens que resolve lutar pela vida quando uma onda gigante vira um paquete de luxo literalmente de pernas para o ar é desconexo e pouco se sabe das suas motivações. São apenas seres desesperados e peças que Petersen usa para ultrapassar diversos desafios, à medida e ritmo de um jogo de computador. Pelo caminho, há baixas inesperadas, situações-limite e um enorme vazio dramático que tenta ser compensado pela inventividade do jogo físico. Poseidon afundou-se nas bilheteiras norte-americanas e deixa passar a ideia de que o filme-catástrofe é um género quase morto (mas que pode um dia destes voltar em força...) e que o público nem sempre gosta de se repetir - as analogias com Titanic são evidentes, além desta obra já ser, por si própria, um "remake high tech" de um filme que não precisava de uma cópia. Apesar de diversão inconsequente, Poseidon arrisca-se a contribuir para que as grandes produções (com orçamentos acima dos 100 milhões de dólares/euros) estejam em vias de extinção. É que os estúdios não aguentam "muitos afundanços" como este...

Pecado do Dia: Ira


Já se sabia que Wolfgang Petersen não era muito dado a grandes profundidades na altura de apresentar as suas personagens - basta recordar a visão maniqueísta que criou do guerreiro Aquiles no interessante épico Tróia. Apesar disso, o seu estilo lacónico e incisivo nunca tinha conhecido tamanha dimensão e logo no filme mais caro em que se envolveu... Em Poseidon, os protagonistas apresentam-se cada um em duas ou três cenas para, logo de seguida, se embrenharem numa complexa luta pela sobrevivência (entre as caricaturas contam-se Richard Dreyfuss num papel "sui generis" e Josh Lucas a tentar copiar o heroísmo malandro de Tom Cruise). E... é só isso! De resto, Hollywood aproveita para mostrar o que já consegue fazer em matéria de efeitos digitais e actores como Kurt Russell procuram restituir o prestígio que o filme nunca deixa explorar. Aqui, o barco é o protagonista e a mão de Petersen também. Apesar de desequilibrado, Poseidon é talvez o melhor exemplo de um filme-catástrofe com marcas de filme de autor (a ira, a dinâmica bruta e... a surpresa tétrica). Se é que isso é possível... * *

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