3 de janeiro de 2009

Dar umas luzes aos irmãos Lumière (V)

ESPECIAL DAVID FINCHER









Caros Irmãos Lumière,

Quem começa a sua carreira de modo convencional, ou seja fazendo anúncios televisivos de marcas sonantes como a Nike, a Coca-Cola, a Pepsi ou a Levi’s, e rodando telediscos de gente do calibre de Madonna, Sting, Michael Jackson, Aerosmith ou Iggy pop, e não o esconde pode ter o caminho dificultado no cinema. Mas há excepções e David Fincher é talvez a maior de todas elas no actual panorama cinematográfico norte-americano.

Aos 47 anos, este cineasta natural do Colorado e criado na Califórnia tem a indústria a seus pés graças a dois filmes: «Sete Pecados Mortais» e «Clube de Combate», obras que reinventaram os seus respectivos géneros e trouxeram ao cinema um novo e possante fôlego, muito comprometido com a violência e o lado marginal dos sentimentos, mas igualmente embrenhado numa certa cultura pop, suja e decadente.

Estes dois filmes representaram dois dos mais importantes filmes da década de 90 por assimilarem um estilo mais arrojado, disseminado por várias imagens e embrenhado num cosmopolitismo desenfreado, ou seja, em desacordo (ou pelo menos em permanente confronto) com as normas vigentes. Há tentativas de suicídio, marcas de tortura, permanentes confrontos de consciência e alguma desorientação.

Foi pelo menos esse lado caótico que lhe trouxe fama e ajudou a construir uma das mais interessantes carreiras para um jovem realizador.
Senão, atente-se: depois de uma estreia algo discreta mas arrojada com «Alien 3 – A Desforra», Fincher lançou três valentes «murros no estômago» dos espectadores impreparados para a sua forma frenética de manipular a câmara e agenciar as imagens, deixando o ruído e os enquadramentos sujos tomarem conta do seu estilo. Além dos fenomenais resultados com «Sete Pecados Mortais» e «Clube de Combate», Fincher lançou os dados de «O Jogo», experiência-limite e carente de orientação para poder ser levado mais a sério.

No entanto, também terá os seus méritos: ajudou a aumentar a sua aura de cineasta comprometido com o excesso e a racionalidade que gosta de pisar o risco da demência. Voltou aos jogos de nervos com outro exercício interessante, «Sala de Pânico», mas mostrou que já passou para o nível seguinte ao criar um novo thriller, o soberbo «Zodiac». Quem esperava um novo «Sete Pecados Mortais» saiu da sala desiludido mas a experiência mostrou que é possível voltar a repensar o policial, colocando o propósito da obra não na descoberta do assassino mas na busca desenfreada de um agente da polícia para o encontrar.

Agora vem a primeira tentativa no melodrama, com «O Estranho Caso de Benjamin Button», que se estreia este mês e que já é dos filmes mais elogiados dos últimos tempos. Mais um novo patamar para o percurso de um realizador que parece estar ainda no começo, mas que, por outro lado, já possui um confortável lugar em Hollywood. Pela forma como aproximou o cinema do experimentalismo característico quer do videoclip quer dos anúncios, por onde começou, e pela sua vontade em não pisar caminhos já percorridos.

É daí que vem o culto em torno da sua obra, muito justificado. E vê-se que não aceita qualquer desafio à primeira: foi chamado para reabilitar as novas imagens de Homem-Aranha ou Batman (felizmente bem entregues nas mãos de Sam Raimi e Christopher Nolan, respectivamente) e rejeitou as propostas de «8MM» (um dos muitos passos em falso de Joel Schumacher) ou «A Dália Negra» (proposta razoável de Brian de Palma). No entanto, para se perceber em poucas palavras do que é feita a sua arte basta recordar o que disse um dia sobre o cinema: «Não percebo muito do que é isso do cinema entreter. Para mim, sempre estive interessado em filmes que deixam marcas. O que gostei em “Tubarão” (1975) é que nunca mais voltei a nadar no oceano novamente.»


NOTA: O mês de Janeiro no SIN CINEMA, e dada a estreia de «O Estranho Caso de Benjamin Button», é inteiramente dedicado a David Fincher.

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