8 de junho de 2007

Um ponto de chegada para novas partidas

AVAREZA. «O gosto é resultado de mil desgostos.» FRANÇOIS TRUFFAUT
Numa fase em que me apetece regressar à infância, recordo uma pérola que descobri recentemente e que, de uma certa maneira, representa um retorno à descoberta de ser criança, embora neste caso a premissa vá mais longe: como aprender a ser civilizado? A resposta surge não na modalidade convencional, com prinícipio e fim pré-determinados, ou não fosse este um dos belos trabalhos de François Truffaut. Embora com capitais americanos, o realizador francês optou pela contenção para transpor para imagens o conto sofrido de O MENINO SELVAGEM, adaptação de um caso verídico sobre um rapaz, encontrado a viver sozinho nos bosques franceses no ano de 1700. O doutor Jean-Marc Gaspard Itard (interpretado pelo próprio Truffaut) aceita a árdua tarefa de provar que o jovem assustado, de cabelos longos e rosnar animalesco pode evoluir enquanto ser humano, habituando-se a normas sociais e a características psicológicas complexas, como a memória, para quem modelou a sua existência tendo em vista as meras leis da sobrevivência. E por que falo de O MENINO SELVAGEM? Porque este é um exemplo precioso que Truffaut nos dá sobre a pureza de ser criança e um interessante tratado sobre as motivações da sociabilização. A caminhada do rapaz, baptizado de Victor, não é descrita à pressa e com moralismos fáceis. Mais uma vez, Truffaut mostra que conhece todas as regras do melodrama, embora neste caso de contornos científicos, e cria um envolvente e puro clássico assente nos avanços e recuos entre doutor e paciente. Com direito a um final cheio de esperança, mas não demasiado redutor. E isso basta! Porque o cinema quer-se um ponto de chegada para novas partidas. E o cinema de Truffaut - pelo menos o que já conheço - cumpre esses requisitos na perfeição.

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