17 de junho de 2007

NA SALA ESCURA: Do frio chega a boa nova

GULA. «Já alguma vez tiveste um orgasmo, Alex? Para mim, é uma versão muito inferior ao que sinto quando tenho a boca cheia de neve.» LINDA (Sigourney Weaver), «BOLO DE NEVE»


Sempre que vejo uma imensa paisagem branca num filme, o meu baú mental de recordações cinematográficas vai logo buscar a imagem de uma Frances McDormand grávida, a andar desajeitada por entre flocos de neve a investigar um corpo misterioso, que a obrigou a sair da cama mais cedo. Quem viu FARGO, o delicioso conto negro passado na imensidão alva do gelo pela mão (e engenho) dos irmãos Coen, dificilmente se esquece. O mesmo se passa com a mansão perdida no gelo de SHINING ou com o dinheiro encontrado num avião abandonado em O PLANO. Quase sempre, histórias passadas na neve são sinónimo de bom prenúncio para o mistério... mas também para o drama. Lembro-me de O FUTURO RADIOSO, de Atom Egoyan, sobre um acidente que envolve o despiste de um autocarro escolar... Agora, tenho mais um belo filme a juntar ao lote e que fui ver, por acaso, com a minha mãe a pedir companhia para um serão diferente. Lá fui, bem a medo porque os nossos gostos costumam divergir, mas desta vez ela acertou em cheio. BOLO DE NEVE, nomeado para o Leão de Ouro do último Festival de Berlim, um discretíssemo melodrama passado num Canadá gelado, onde, após um trágico acidente em que circulava Alex (Alan Rickman) morre a filha de uma mulher que ele vem a descobrir sofrer de autismo. É então que entra em cena uma esplendorosa Sigourney Weaver (já com algumas rugas, é certo, porque a idade não perdoa) com um dos seus papéis mais exigentes, que nos dá a conhecer uma mulher que vive para o imediato e que só conta com as pessoas quando precisa delas. Entre os dois surge uma relação de cumplicidade e assim, desta forma simples, se dá uma lição de vida. Sem se precisar de grandes exageros moralistas. Este é só um conto emotivo que satiriza ainda a vida preconceituosa nas pequenas comunidades. É pena que tenha sido visto por tão poucos...


BOLO DE NEVE
de Marc Evans (2006)
* * *
O que mais impressiona neste filme é a sua simplicidade, capaz de fazer transcender os habituais «casos da vida» a histórias genuinamente tocantes, mesmo focando o autismo e a perda como assuntos primordiais de análise. Além disso, o quase desconhecido Marc Evans tem muita habilidade na condução da história, dado que o espectador começa a ver o filme sem saber que cena lhe seguirá. Depois, há os grandes desempenhos: Alan Rickman é colossal na sua amargura pela perda de um filho; Sigourney Weaver humaniza de forma excepcional a autista que interpreta com estranha naturalidade; e Carrie-Anne Moss volta a mostrar a sua extraordinária beleza em prol de um desempenho ousado de uma mulher com uma mente demasiado à frente da consciência da comunidade onde está inserida. Cuidadoso nas suas motivações e muito absorvente, BOLO DE NEVE traz sensações positivas e é muito bem filmado.

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