14 de junho de 2007

NA SALA ESCURA: Cinema vazio de emoção

SOBERBA. «Ele não pretendia um tributo, nem uma música ou um monumento ou ainda poemas de guerra e de valor. O seu desejo era simples: "Lembrem-se de nós", disse-me.» DILLIUS (David Wenham), «300»

O que se passa com as grandes produções de Hollywood? O fenómeno arrasta-se há alguns anos, mas tem vindo a sofrer uma mutação com a predominância das tecnologias digitais que se infiltram e desvalorizam, cada vez mais, a história e corrompem o lado genuíno das imagens. Em duas recentes experiências cinematográficas, o resultado foi o mesmo: sentir um fascínio pelas potencialidades visuais do novo cinema, mas sentir um vazio de emoção. Tanto 300 como OS PIRATAS DAS CARAÍBAS - NOS CONFINS DO MUNDO são aventuras que pretendem resgatar ímpetos de valentia antigos, mas o que passa são sons ensurdecedores, demasiadas peripécias e reviravoltas previsíveis de argumento, além de haver um distanciamento crescente das personagens em relação ao espectador. Um exemplo: Jack Sparrow começou por ser uma deliciosa inversão que Johnny Depp construiu do chavão de um pirata, mas neste terceiro filme pouco mais faz do que arrastar-se até ao fim da história. Nem mesmo a inclusão de Keith Richards espevitou o pirata, comodamente instalado nos seus tiques e expressões. Por outro lado, em 300, a personagem de Gerard Butler dá mais nas vistas pelos seus abdominais e gritos de motivação do que por um pingo de humanidade. Neste último caso, é impressionante como a descrição de uma missão humanista é completamente eclipsada pela beleza estrondosa de imagens que ficam a meio caminho entre a BD e os desenhos animados para adultos. Tanto um, como outro filme são prodígios visuais. Mas é que o espectador também costuma ter cérebro (pelo menos, alguns) e nenhuma das duas fitas consegue criar um verdadeiro fascínio ou efeito-surpresa. É bom ir ao cinema e ser estarrecido por acção em larga escala. Mas... onde paira tudo o resto? Será que Hollywood vai caminhar inexoravelmente para a beleza estética e descurar o conteúdo? Nada de radicalismos. Só chateia que sejam estes filmes que encham os cofres da indústria!

PS - E alguém ainda tem pachorra para sequelas? Só este mês estreou-se o fim da trilogia dos PIRATAS DAS CARAÍBAS, o terceiro HOMEM-ARANHA, o segundo QUARTETO FANTÁSTICO, o terceiro OCEAN´S 11 (que é como quem diz mais do mesmo, OCEAN'S 13), e vêm a caminho o terceiro SHREK (quando o quarto está já em pré-produção) e o quarto DIE HARD (com um Bruce Willis ainda para as curvas em matéria de cinema de acção)!!! Socorro! Crise de imaginação! Totalmente... Alguém disse que os «blockbusters» estão cada vez mais desinteressantes?

300
de Zack Snyder (2006)
* * *
É surpreendente o que a animação digital já consegue fazer na articulação com a imagem real. 300 convence por isso, pelo primor visual, pela estilização extrema que gerou um culto semelhante a SIN CITY, ou não fosse este mais um caso de uma habilidosa adaptação para cinema da BD para adultos de Frank Miller. Mas um filme não é só imagem. E é aí que 300 enfraquece... Personagens que são meras caricaturas, um vilão que quase não existe (desculpe, sr. Santoro, mas o seu desempenho podia ter sido feito por qualquer outro actor, o efeito é o mesmo), demasiados gritos de motivação e esvaziamento de fintas ao argumento. O novo cinema vai ao passado buscar histórias de heroísmo mas o que convoca é só mais uma lição que, por exemplo, BRAVEHEART já nos tinha dado com muito mais pertinência e... emoção.


PIRATAS DAS CARAÍBAS:
NOS CONFINS DO MUNDO

de Gore Verbinski (2007)
* *
O fim da saga chegou finalmente? Parece que existem possibilidades da história voltar. Mas para quê? Não se poderia ter ficado apenas pelo capítulo inicial? Aqui, a equipa regressa e já a personagem de Johnny Depp, a força-motriz desta trilogia, parece cansada, sem chama. O verdadeiro salva-vidas desta terceira parte é o Capitão Barbossa de Geoffrey Rush. O resto é... demasiado. Demasiados efeitos especiais. Demasiadas personagens. Demasiadas reviravoltas. Demasiado! Embora a história de Elizabeth e Will fique encerrada de uma forma particularmente original, tudo o resto é uma cansativa montanha-russa de peripécias desconexas para chegar a lado nenhum. O ímpeto aventureiro já é muito pouco... Enfim, chegou ao fim. Mas eu continuo a preferir o primeiro.

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