
Para quem se queixa que as salas de cinema nacionais são cada vez mais invadidas pelo mesmo tipo de cinematografias, nomeadamente os blockbusters do costume, esta bizarra proposta austro-húngara é talvez um dos mais inclassificáveis projectos alguma vez estreados entre nós. E, só por isso, já merece atenção. Trata-se de uma alegoria excessiva, marcada pela crueza da carne, que propõe um olhar enigmático e disruptivo sobre o sentido da vida. TAXIDERMIA é ambicioso, caótico, extremo, desconfortável, grotesco, visualmente repelente, mas inventivo e extremamente dinâmico. Ao decidir contar três gerações marcadas por um dantesco sentido carnal da existência, o realizador György Palfi cria um transgressor objecto que é até difícil de expor em termos narrativos. Se começa como um burlesco retrato de um homem que vive num curral e simula fantasias excessivas com as mulheres da casa, rapidamente passa por uma ode crítica ao comunismo e ao seu predomínio no Leste graças à história seguinte de um homem que se torna campeão na arte de comer até rebentar e que casa com uma mulher com igual dom... No final, é a vida solitária do seu filho, um taxidermista que sonha com o corpo e os limites do impossível que consegue fazer com ele, que ganha forma num dos finais mais impressionantes dos últimos anos. E o que ganhamos com isto tudo? Ganhamos uma experiência cinematográfica única, que nos dá uma visão surrealista e crua da vida, enquanto ironiza sobre as necessidades corporais de cada um. TAXIDERMIA ironiza o corpo, dá-lhe novas fronteiras, cruza-as e trespassa-as com um golpe de faca de talho para nos mostrar que por dentro de cada um há vísceras e um sentido iminentemente caótico em cada um de nós. Só por isso também já vale a pena testemunhar este freak show, embora não seja aconselhável a estômagos sensíveis.

de György Palfi (2006)
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Deu nas vistas em Cannes e venceu um prémio no Fantasporto, mas a verdade é que esta produção europeia arrasa sensibilidades e corta a monotonia por onde quer que passe. A forma despudorada como lida com o corpo, o corrompe, o desfigura e, no final, tudo parece não passar de uma negra declaração de amor à física visceral do ser humano, é desarmante. TAXIDERMIA merece um lugar de destaque nas propostas mais inventivas e surreais dos últimos tempos, até porque aproveita a sua falta de ligeireza e o seu excesso de choque visual assumido para também extrair críticas à política e às relações afectivas de três gerações distintas. Crise de valores? Emocionais, sim. Mas graficamente muito ousados!
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