LUXÚRIA. «D.H. Lawrence disse que tentou mostrar a sexualidade como algo que não era vergonhoso, mas a coisa mais natural do mundo. Eu tentei transmitir isso no filme.» PASCALE FERRAN, realizadoraO sopro romântico do ano chegou discreto nas salas nacionais, mas tem mantido uma longevidade impressionante nas salas de cinema e... ainda bem. Por este motivo, tive a oportunidade de ver na sala escura um dos mais belos melodramas dos últimos anos, despojado de artifícios e digno representante de um tipo de cinema em vias de extinção: tonalidades clássicas, filmagem sensível e atenta aos pormenores, construção milimétrica das personagens e abordagem sensual do amor sem cair em demagogias carnais. LADY CHATTERLEY é uma soberba adaptação do romance «O Amante de Lady Chatterley», de D.H. Lawrence, que impressiona pela leveza da sua direcção, incisiva mas profundamente condescendente com as suas figuras. A relação metafórica entre o brotar da Primavera com a transformação interior de Constance (Marina Hands), enclausurada numa relação conjugal sem chama (dado o marido ser um arrogante burguês inválido), assim que se entrega a Parkin (Jean Louis Coullo'ch), o guarda-caça da sua propriedade, é de uma beleza extrema, que culmina com a decoração floril inventiva da personagem genialmente interpretada por Coullo'ch. De mansinho, se constrói um belo tratado do amor impulsivo, de um afecto intimamente ligado ao corpo e aos seus desejos. A relação entre o par protagonista contorna o preconceito de épocas passadas numa bela epopeia sensível e devolve ao cinema europeu a história de amor delineada como o novelo folhetinesco para adultos, que não esconde a entrega carnal, antes a encara como um passo fundamental para a união. Só por isso, e por ser um filme que renova convicções, LADY CHATTERLEY deve ser visto por quem acredita no poder dos sentimentos e se deixa envolver pela intensidade de um retrato que contorna tudo e deixa ver de perto qual é a verve do amor.
Jogo de luxúria intenso, mas condigno com o sentimento premeditado das personagens. É uma das obras-primas do ano e um exemplo de como o cinema francês ainda é uma referência na gestão de afectos. Quem o vê peca com o olhar, mas não pela nudez reincidente das personagens, antes por assumir uma veia de voyeur, ao partilhar a intimidade de dois seres que se descobrem, quando já tudo parecia perdido.

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