6 de julho de 2007

Ninguém escreve como Somerset Maugham

SOBERBA. «O mundo é um palco e todos os homens simples actores.» WILLIAM SHAKESPEARE
Deve ter sido um cínico de primeira, um burocrata insuportavelmente vaidoso... mas escrevia como ninguém. Falo de Somerset Maugham, escritor no topo das minhas preferências pela sua capacidade de usar a ironia, o estilo omnisciente na composição das suas personagens (longe de serem modelos de conduta) e uma mordacidade contagiante. Se O FIO DA NAVALHA é dos romances mais intensos que li desde sempre, eis que há algumas semanas terminei a leitura de AS PAIXÕES DE JÚLIA, onde novo assombro e admiração literária se instalou... É que Maugham é brilhante ao desconstruir a figura de uma actriz, verdadeiramente uma diva dos palcos, mas incapaz de sentir e viver as emoções da sua vida real. Basicamente, uma mulher que virou simulacro e que, bem no final da história, tem uma das reflexões mais espantosas que alguma vez testemunhei. Por isso, ouso reproduzir:
«O mundo é um palco e todos os homens e mulheres simples actores.» Mas há a ilusão, através da arcada; somos nós, os actores que somos a realidade. Eis a resposta ao Roger. Os outros são a nossa matéria-prima. Nós somos o significado das suas vidas. Pegamos nas emoções ridículas e transformamo-las em arte, com elas criamos beleza, e a sua importância é que constituem o público de que precisamos para nos realizarmos. São os instrumentos em que tocamos e de que serve um instrumento sem alguém para tocar?
Com uma apropriação desarmante, Júlia, a actriz dominadora, prefere a realidade da máscara. Parece simples, mas não é... Consta que esta obra do argumentista britânico foi adaptada com algum empenho para cinema, pela mão de István Szabo, mas o filme foi essencialmente elogiado pela composição de Anette Bening (nomeada para o Óscar). Ainda não o vi... mas o prazer da leitura da obra já ninguém me tira.

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