Deve ter sido um cínico de primeira, um burocrata insuportavelmente vaidoso... mas escrevia como ninguém. Falo de Somerset Maugham, escritor no topo das minhas preferências pela sua capacidade de usar a ironia, o estilo omnisciente na composição das suas personagens (longe de serem modelos de conduta) e uma mordacidade contagiante. Se O FIO DA NAVALHA é dos romances mais intensos que li desde sempre, eis que há algumas semanas terminei a leitura de AS PAIXÕES DE JÚLIA, onde novo assombro e admiração literária se instalou... É que Maugham é brilhante ao desconstruir a figura de uma actriz, verdadeiramente uma diva dos palcos, mas incapaz de sentir e viver as emoções da sua vida real. Basicamente, uma mulher que virou simulacro e que, bem no final da história, tem uma das reflexões mais espantosas que alguma vez testemunhei. Por isso, ouso reproduzir:
«O mundo é um palco e todos os homens e mulheres simples actores.» Mas há a ilusão, através da arcada; somos nós, os actores que somos a realidade. Eis a resposta ao Roger. Os outros são a nossa matéria-prima. Nós somos o significado das suas vidas. Pegamos nas emoções ridículas e transformamo-las em arte, com elas criamos beleza, e a sua importância é que constituem o público de que precisamos para nos realizarmos. São os instrumentos em que tocamos e de que serve um instrumento sem alguém para tocar?
Com uma apropriação desarmante, Júlia, a actriz dominadora, prefere a realidade da máscara. Parece simples, mas não é... Consta que esta obra do argumentista britânico foi adaptada com algum empenho para cinema, pela mão de István Szabo, mas o filme foi essencialmente elogiado pela composição de Anette Bening (nomeada para o Óscar). Ainda não o vi... mas o prazer da leitura da obra já ninguém me tira.
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